Geografia

A Força das Águas

Por Rodnei Vecchia

Se as guerras do século XX foram motivadas pela exploração do petróleo, os conflitos do século XXI estarão centrados no controle dos recursos hídricos, quem controla a água controla a vida.
Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português

Dia 22 de março, dia mundial da água. O Brasil tem o privilégio de ser uma das poucas regiões do mundo com enorme superávit desse bem essencial à vida, que compõe ao redor de 70% do corpo humano. Mais que enaltecimentos vazios que se evaporam ao vento, espera-se de todos ações concretas em defesa do ouro azul, cujo real valor perpassa aparentemente despercebido por entre milhares de mãos humanas.

Força motriz de toda a natureza, ou a única bebida para um homem sábio, a água é uma dádiva da natureza indispensável à vida, essencial à manutenção da saúde e à garantia do bem-estar do ser humano. Tales de Mileto dizia que a água é o princípio de todas as coisas. Ao longo da história das civilizações, as mais longevas e prósperas sempre se estabeleceram próximas a cursos d’água em busca de suprimento consistente e confiável. A universalização do acesso à água e ao saneamento básico é direito de todos e dever básico de mandatários públicos.

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Em 2010 a ONU aprovou a resolução 64/292 que declara a água limpa e segura e o saneamento básico um direito essencial de todos. Essa resolução está em linha com um dos objetivos do milênio, que prevê reduzir pela metade até 2015 a parte da população mundial sem acesso a água potável e segura e saneamento.

A universalização do acesso à água é um dos maiores desafios mundiais. As dimensões do problema são descomunais: 17% da população mundial não possuem acesso à água potável, enquanto 40% não têm saneamento básico. Em países do continente africano, o problema aflige diretamente a população feminina, na medida em que muitas mulheres chegam a consumir seis horas diárias na busca por alguns litros de água.

Em 2050 mais de 45% da população mundial não poderá contar com a porção mínima individual de água para necessidades básicas, prevê a ONU, que estabelece como volume ideal 200 litros por pessoa por dia. Alguns países usam menos de 10 litros de água por pessoa ao dia: Gâmbia usa 4.5; Mali, 8; Somália, 8.9; e Moçambique, 9.3. Em contrapartida, o cidadão de classe média dos Estados Unidos usa 500 litros de água por dia, e o britânico 200 litros. Brasil, Rússia, China e Canadá são os privilegiados países que praticamente controlam as reservas mundiais de água.

Parafraseando o poeta inglês W. H. Auden: “muitas pessoas viveram sem amor, mas nenhuma sem água”. Um ser humano é capaz de suportar até 200 dias sem se alimentar. Sem água, porém, a resistência é bem menor: após 36 horas o organismo começa a entrar em colapso.

Vive-se em um planeta aquático e salgado, recoberto em 75% de sua superfície sobre a forma de oceanos, calotas polares, rios e lagos. A água pode ser encontrada também em aquíferos subterrâneos, como o Guarani, o maior deles, sob a bacia do rio Paraná, que espalha suas límpidas águas doces por quatro países: Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina.

Do total de águas planetárias, há 97,5% de água salgada e os elevados custos de dessalinização ainda inibem torná-la doce. Os restantes 2,5% de água doce distribuem-se assim: 69% em geleiras e neves eternas; 30% em água subterrânea; 0,7% em umidade do solo, pantanais e solos congelados; e 0,3% em lagos e rios.

Aguas do Mundo

A água também é uma das poucas fontes para produção de energia que não contribui para o aquecimento global. Pelos efeitos da energia solar e da força da gravidade, de líquido transforma-se em vapor que se condensa em nuvens, que retornam à superfície terrestre sob a forma de chuva, em um mágico e constante ciclo hidrológico.
O uso da força das águas para gerar energia é bastante antigo e começou com a utilização das chamadas rodas d’água do tipo horizontal, que através da ação direta de uma queda d’água produz energia mecânica. A partir do século XVIII, com o surgimento de tecnologias como o motor a vapor, o dínamo, a lâmpada e a turbina hidráulica, foi possível converter a energia mecânica em eletricidade. Água e energia caminham juntas, sem energia não se tem acesso à água e sem água não se produz energia limpa e renovável.

Mesmo assim, a participação da água na matriz energética mundial é pouco expressiva e, na matriz da energia elétrica, decrescente. A participação da força das águas em um período de 33 anos (de 1973 a 2006) na produção total de energia, diminuiu de 2,2% para 1,8%. No mesmo período, a posição na matriz da energia elétrica sofreu recuo acentuado: de 21% para 16%. Esse percentual é inferior ao do carvão, petróleo e gás natural, combustíveis fósseis não renováveis, cuja combustão é caracterizada pela liberação de gases na atmosfera e sujeitos a um possível esgotamento das reservas no médio e longo prazos.

A energia límpida das águas renováveis, outrora um paradigma energético, transformou-se num aparente paradoxo com o recrudescimento dos movimentos ambientalistas ao redor do mundo, que questionam a validade de se construir usinas hidrelétricas ante os fortes impactos negativos que provocam no entorno.

1.1 A gestão hídrica
O gerenciamento dos recursos hídricos pode ser compreendido como o conjunto de ações destinadas a regular o uso, controle, proteção e conservação das águas, seguindo os princípios e os instrumentos estabelecidos nas políticas nacionais, nos acordos internacionais e transfronteriços. Na área do gerenciamento, está a gestão que consiste em um conjunto de instrumentos comumente utilizados na elaboração de projetos de recuperação de nascentes, rios, engenharias de águas pluviais, construção de barragens, entre outros projetos de cunho técnico. Todos esses processos têm na sua essência a melhoria na qualidade de vida da população e dos ecossistemas globais e regionais.

Milhões de toneladas de esgoto inadequadamente tratados e efluentes industriais e agrícolas são despejados nos, lagos, rios e deltas. Anualmente, morrem mais pessoas pelas consequências de águas impróprias que por todas as formas de violência, incluindo as guerras. A cada ano, a contaminação das águas dos ecossistemas naturais afeta diretamente os seres humanos pela destruição de recursos pesqueiros ou outros impactos sobre a biodiversidade que afetam a produção de alimentos.

Na medida em que o tratamento de esgotos avança, aumenta a importância da chamada carga difusa na poluição de cursos d’água. A carga difusa representa os demais poluentes que também afetam a qualidade da água, como lixos jogados em rios e a poluição presente no ar que desce com as chuvas. A maior parte da água doce poluída desemboca nos oceanos, onde provoca graves prejuízos a muitas áreas costeiras, agravando a situação dos recursos oceânicos e dificultando sua gestão.

Dados e informações sobre hidrologia são raros, mais um contrassenso humano. Somente os Estados Unidos e alguns países da União Europeia fazem algum tipo de monitoramento sobre seus corpos d’água. Os níveis de barragens, apesar de monitorados por seus operadores, dificilmente são divulgados e milhões de pessoas sequer têm noção temporal se os níveis de lagos e rios estarão baixos ou cheios.

Um grupo de mais de 500 cientistas de 32 países, liderados pela França e pelos Estados Unidos trabalham na globalização de informações de recursos hídricos. Está em construção um satélite denominado SWOT (Surface Water Ocean Topography) que vai medir e monitorar oceanos, litorais, lagos, rios e outros pontos úmidos do planeta, por meio de dois radares que irão mover-se na atmosfera a 25 mil Km/h. O satélite vai gerar mapas tridimensionais dos níveis de água, seus fluxos, refluxos, circulação e complexidade em tempo real. Os dados serão disponibilizados gratuitamente pela internet e espera-se que esteja em operação até 2018.

A água é uma questão central na economia de qualquer país. Não só na economia, mas no desenvolvimento e articulação da própria sociedade. A gestão, outrora localizada, setorial, passou ao nível de bacia hidrográfica, mais integrada. Não se faz mais a gestão do ciclo hidrológico só na questão do suprimento energético. É preciso pensar na gestão da pesca, recreação, turismo, navegação, enfim, todo um conjunto de usos múltiplos que representam um corpo de água. Por outro lado, essa gestão integrada implica na necessidade de se gerir águas atmosféricas, águas superficiais e águas subterrâneas.

Mais de 66% da extração de água doce no mundo destinam-se à irrigação. O processo de irrigação artificial ou subterrâneo gota a gota implantado em alguns países como Israel é um fator decisivo no aumento da produtividade alimentícia, sua eficiência é infinitamente superior aos métodos de alagamento tradicionais. Novas tecnologias, métodos criativos e conscientização provocam avanços no uso mais racional e produtivo da água. No ano de 1995 o consumo mundial foi metade do que apontavam os estudos estatísticos realizados trinta anos antes. Espalham-se pelo mundo leis e regulações que impõem posturas construtivas para reter águas pluviais, que possibilita seu reuso.

A gestão adequada dos recursos hídricos implica em resolver dois aspectos fundamentais. O primeiro é a questão de integrar a qualidade e quantidade de água de uma forma adequada. Os usos múltiplos, o excesso de uso e o desperdício são importantes, mas a questão da qualidade engloba todos esses fatores. A princípio se pensava que a escassez de água era motivada pela sua quantidade. Diagnóstico correto: com o agravamento dos problemas de qualidade, tem-se água abundante, mas contaminada e sua purificação está cada vez mais dispendiosa.

Apenas um litro de óleo de cozinha contamina 20 mil litros de água. Por outro lado, para produzir uma tonelada de aço gasta-se 15 mil litros de água; cada quilo de frango consome 2 mil litros de água; um quilo de arroz 1,5 mil litros de água; um quilo de pão mil litros; a produção de um automóvel utiliza água que pode abastecer uma pessoa por dois meses.

O segundo aspecto é como, na economia globalizada e em todo esse conjunto dinâmico de processos econômicos e sociais do século XXI, o uso, a qualidade e a quantidade dos recursos hídricos estão sendo afetados. Na medida em que a sociedade se desenvolve cresce o processo de urbanização, a economia se torna mais complexa e desenvolvida, o que provoca aumento de demanda por recursos hídricos.

Tem-se que procurar caminhos dentro dessa economia, que apropria em demasiado dos recursos naturais, para utilizar menos água e preservar sua qualidade, mantendo elevados estoques de segurança de um bem vital para a espécie humana e para toda a biodiversidade do planeta. A conscientização do problema por meio de processos intensivos de educação ambiental é um dos caminhos. Há que se implantar medidas urgentes de melhoraria na qualidade do abastecimento de água nas grandes metrópoles, sob pena de que cidades como São Paulo, Pequim, Mumbai, e Dacar, que cada vez vão buscar água em bacias mais distantes, sofram com a falta do produto e enfrentem um regime severo de economia do recurso, em um horizonte de dez anos.

1.2 Conflitos pela disputa do ouro azul
A Terra abriga 263 fluxos de água, que atravessam territórios de 145 países. Correspondem a 60% do volume total de água doce disponível no planeta e abastecem 40% da população mundial. Dezenove rios atravessam mais de cinco nações fronteiriças, e projetos de represas são a principal causa de conflitos entre os países que se encontram no curso desses rios. Os reservatórios artificiais construídos por todo o mundo são capazes de suprir as necessidades humanas por aproximadamente dois anos, sendo que há crise iminente de água em mais de 30 países.

A disputa por água pode provocar significativos conflitos internacionais e substituir o que foi a corrida pelo petróleo no século XX. A distribuição geográfica desproporcional do recurso, o crescimento populacional, a urbanização, a melhoria dos padrões de consumo e as mudanças climáticas que causam o aquecimento global só tendem a acirrar as disputas por um produto cada vez mais escasso.

As mudanças climáticas irão impactar cada aspecto do ciclo hidrológico. A escassez de água irá se expandir, eventos extremos como enchentes e estiagem serão potencializados, o nível do mar e as temperaturas irão subir lenta e progressivamente, e a recarga de água subterrânea, os regimes de chuva e a vazão fluvial serão profundamente modificados. Mas, o maior desafio que envolve a água não está ainda diretamente ligado às mudanças climáticas, e sim ao vultoso desperdício e à distribuição desigual das bacias hidrográficas.

Disponibilidade de água nos continentes e sua população e Países com maior e menor disponibilidade de água

Apesar de inúmeras ações de uso mais racional de água, o desperdício é assustador. No Brasil as perdas estão em 40%, motivadas principalmente por ligações clandestinas e vazamentos em tubulações. No mundo esse índice aproxima-se de 15%; na Alemanha um dos países que melhor gerencia seus recursos hídricos, as perdas médias são de 8%; no Japão 6%.

Grande parte dos países, principalmente os ricos, usa a água de forma perdulária, a exemplo do que se faz com a energia. Nesse ciclo vicioso, esgota-se estoques, procura-se por novas fontes e pouco se investe em sistemas preventivos de captação, reutilização e reciclagem e para cuidar da contaminação.

Escassez de água pode transformar o que atualmente é uma competição pacífica em conflitos beligerantes. O secretário geral das Nações Unidas Ban Ki-Moon afirmou em 2007 no Conselho de Segurança da ONU que enchentes e secas provocam migrações em massa, polarizam sociedades e enfraquecem a capacidade de países resolverem pacificamente os conflitos.

Mas ao perpassar os olhos pela história vê-se que houve muitos conflitos internacionais pela água, só que resolvidos com tratados e não com mísseis. A água é um item importante demais para que nações arrisquem uma disputa por seu suprimento, pois sem água a espécie humana seria extinta em questão de dias.

Um importante aspecto ligado à política internacional que regulamenta o uso de áreas úmidas refere-se à Convenção de Ramsar, firmada por um grande número de países naquela cidade do Irã, em 1971, com o objetivo inicial de proteger as áreas úmidas de importância internacional. O Brasil firmou essa convenção em 1993 e passou a se responsabilizar por fazer levantamentos de suas áreas úmidas. Essas áreas, que têm como limite a linha máxima das enchentes, devem ser detalhadamente estudadas para seu correto manejo e proteção.

Na Convenção de Ramsar foram definidos como áreas úmidas os pântanos, charcos, turfas e corpos de água, naturais ou artificiais, permanentes ou temporários, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo estuários, planícies costeiras inundáveis, ilhas e áreas marinhas costeiras, entre outros. Nesse conjunto de áreas úmidas são encontrados alguns dos ambientes mais produtivos e de maior diversidade biológica do planeta.

Na maior parte dos países a posse da água é do Estado. No Brasil de acordo com a Constituição de 1988 (Capítulo II – DA UNIÃO, Art. 20, III), são bens da União “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”.

Em análise análoga, o texto do Código Florestal de 1965, em seu Art. 2º, modificado pela lei 7.803, de 18 de julho de 1989, dispõe que “consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural, situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto”. Do ponto de vista ecológico, de preservação da biodiversidade e integridade dos ambientes de cursos d’água, o nível baixo não pode ser utilizado, nem tampouco o nível regular, mas sim o nível mais alto de expansão das cheias.

A distribuição da água no mundo é muito desigual e uma grande parte das bacias hidrográficas encontra-se em regiões carentes do produto. Estas regiões devem receber auxílio das nações mais ricas e de fundos internacionais para desenvolver tecnologias que permitam a captação, armazenamento e preservação da água e de seus mananciais. O problema é que instituições como o Banco Mundial, que tem programas nessa área, não possuem expertise para administrar programas retalhados e com aportes pequenos, típicos dessa atividade.

O Brasil possui 12% do total de água doce superficial do planeta, um privilégio. Mas como ocorre em todo o mundo, a distribuição também é desigual. Com apenas 7% da população brasileira, a Amazônia possui 78% dessa água superficial, um excedente hídrico que atrai a cobiça global. O Sudeste que representa 50% da riqueza brasileira fica com apenas 6%, um grande déficit para quem irriga quase metade da produção agrícola brasileira, setor, aliás, que abocanha aproximadamente 70% de todo consumo nacional de água.

Apesar de rico em cursos d’água, o Brasil não cuida nada bem desse seu patrimônio. Cerca de 45% da população está conectada à rede de esgoto e do total de esgoto coletado, apenas 38% é tratado. Grande quantidade de material orgânico é lançada em rios e no mar. O reflexo está explicitado em estudo da SOS Mata Atlântica, que avaliou a qualidade da água baseada em padrões do Conselho Nacional do Meio ambiente (Conama). O estudo ocorreu entre janeiro de 2011 e março de 2012 em 11 estados e 49 rios, córregos, ribeirões, represas, lagos e açudes. Nenhum deles recebeu a classificação de bom ou ótimo; 75% foram classificados como regular; e 25% como ruim.

Quatro rios podem provocar disputas conflituosas no futuro: o Nilo, o Jordão, o Tigre-Eufrates e o Indo. Principalmente porque são rios compartilhados entre países com histórico bélico. O rio Jordão corre por entre Israel, Jordânia, Líbano, Síria e territórios da palestina ocupados. O Tigre-Eufrates, berço da civilização suméria, passa por Iraque, Irã, Síria e Turquia. As águas do rio Indo abastecem Afeganistão, China, Índia, Paquistão e Caxemira. Por fim o rio Nilo que corta metade do território africano, banhando os países Sudão, Uganda e Egito.

O Iêmen é o primeiro país no mundo a sofrer total escassez de água devido ao aquecimento global, ao crescimento populacional e ao extrativismo, gerando possibilidades de conflitos e movimentos de massa que podem se espalhar pelo continente africano e pelo mundo.

Dentre os conflitos armados, Israel envolve-se na maioria deles. A disputa com Síria e Jordânia pelas Colinas de Golã, ocorre não pela sua beleza natural mas porque ali se encontra a nascente do Rio Jordão, fundamental para o abastecimento de água no Oriente Médio.

China e Índia também têm conflitos pela água: o rio de Brahmaputra já causou tensão entre os países e pode se tornar uma faísca para dois dos maiores exércitos do mundo. Em 2000, a Índia acusou a China de não compartilhar informações sobre o funcionamento do rio desde o Tibet, que causou inundações no nordeste da Índia e em Bangladesh.

Há tensões entre Botswana, Namíbia e Angola em torno da vasta bacia de Okavango, na África. As secas fizeram a Namíbia reativar projetos de dutos de água com extensão de 250 milhas para fornecimento à capital, Windhoek. Drenar o delta seria letal para comunidades locais e para o turismo. Sem a inundação anual do norte, os reservatórios encolherão e a água sangrará até o deserto de Kalahari.

A gestão da escassez de água não se restringe somente a águas superficiais, mas também às subterrâneas dos aquíferos. Os aquíferos são depósitos fósseis herdados da última era do gelo, ou seja, levaram milhares de anos para se formar, e são abastecidos por precipitações drenadas da superfície. Em regiões onde a água encontra-se a mais de um quilômetro de profundidade, pode atingir entre 50º.C. e 85º.C. e ser útil para alguns processos industriais e também para recreação e lazer, com instalação de termas.

O aquífero Guarani, que possue 2/3 de sua área sob solo brasileiro, ainda está bem protegido de contaminações e sua recarga é superior à extração, devido principalmente ao regime de chuvas. O problema ocorre quando essas reservas subterrâneas encontram-se em locais de baixos índices pluviométricos, ou onde prevalece clima mais seco, ou ainda onde é a principal ou única fonte de água existente para abastecer as populações locais.

O gigantesco aquífero Ogallala, um depósito pleistocênico, localizado nos Estados Unidos, que se espalha sob oito estados americanos, está em extinção devido ao uso ser maior que sua taxa de reposição. Localizado em região predominantemente seca e carente de recursos hídricos, vai do Texas à Dakota do Sul. É uma das regiões agrícolas mais produtivas do mundo e o aquífero foi o grande responsável pela pujança da região, possibilitando a irrigação de imensas plantações de trigo, algodão, milho, sorgo entre outros produtos.

Ocorre que por muitas décadas retira-se do Ogallala, por meio de milhares de poços, 30 centímetros ao ano enquanto sua reposição natural é de 1 a 2 centímetros ao ano. O reservatório milenar está condenado e sua vida útil é calculada entre 10 e 25 anos. Uma tragédia anunciada para uma região que deve sua prosperidade às águas subterrâneas do Ogallala.

Diversos países já se prepararam para vender grandes volumes de água. No Canadá, por exemplo, a preocupação é com a legislação que não permite esse tipo de venda, como é feito com o petróleo. Outros países “importam” água, processo designado de comércio de águas virtuais, por meio de compra de alimentos, principalmente cereais. Países do Oriente Médio, impedidos de produzir seus próprios alimentos devido à escassez de água e clima seco são os maiores importadores virtuais. Compram mantimentos de outras nações que não tem problemas crônicos de água doce. O cenário futuro é preocupante e os detentores de estoques hídricos de água doce serão os provedores da vida.

A urbanização irregular, o desperdício, os rios cada vez mais sujos e os sistemas de abastecimento cada vez mais precários são os principais motivos da escassez de água. A demanda por água só tende a aumentar e a busca pelo recurso está se direcionando para mananciais cada vez mais distantes, o que encarece o produto e causa desequilíbrio nas reservas subterrâneas. Deve-se planejar vultosos investimentos de longo prazo em obras de abastecimento que necessitam ser feitas de forma integrada, afinal, as bacias hidrográficas não estão distribuídas em conformidade com a demanda.

Segundo Jonh F. Kennedy, “quem for capaz de resolver os problemas da água será merecedor de dois prêmios Nobel, um pela paz e outro pela ciência”.

Texto enviado via e-mail por Rodnei Vecchia (Autor do livro “O Meio Ambiente e as Energias Renováveis”) às 18:36 em 12/04/2012.