Geografia

Energia das Águas Represadas

Por Rodnei Vecchia

Nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma manifestação da natureza. Dada a causa, a natureza produz o efeito no modo mais breve em que pode ser produzido.
Leonardo da Vinci

A idéia de que a humanidade caminha rumo a níveis crescentes de bem-estar parece ser senso comum. Em sã consciência ninguém é contrário ao desenvolvimento da sociedade. Mas ainda é raro construir qualquer projeto de desenvolvimento com objetivos claros, que contemplem e atendam simultaneamente interesses econômicos, sociais, ambientais e culturais de uma comunidade. A exclusão social e a crise ambiental parecem não fazer parte da rotina de políticos e empresários.

O termo desenvolvimento deve ser entendido como mudança em favor de toda a sociedade ou de sua maioria e que promova avanços estruturais e bem-estar. Quaisquer projetos de desenvolvimento de uma comunidade devem priorizar serviços de qualidade em alimentação, educação, saúde, água, saneamento básico, transporte público e energia. As economias que melhor se posicionam quanto ao acesso a recursos energéticos de baixo custo e de baixo impacto ambiental são as que obtêm importantes vantagens comparativas.

Artigos relacionados

A energia é um bem de natureza estratégica, e não por acaso a segurança energética é sempre um tema relevante na agenda mundial. Por muito tempo o consumo per capita de energia foi usado como indicador do grau de desenvolvimento dos países. Atualmente, na medida em que esse índice cresce, aumenta a conscientização da importância do uso racional de energia, bem como da necessidade de substituição de fontes poluídas e finitas por fontes renováveis, limpas, baratas e acessíveis.

A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu 2012 como o Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos. Não sem motivos, pois atualmente 20% da população mundial não tem acesso e outros 15% tem apenas acesso limitado à energia elétrica – um inaceitável batalhão de excluídos das benesses da energia, fonte de vida e de inclusão social. A ONU estabeleceu também duas metas até 2030: garantir que todos tenham acesso a energia; e aumentar em 30% a participação das energias renováveis na matriz energética mundial.

Ter em seu território recursos naturais que possam se transformar em fontes de produção de energia é estratégico para qualquer comunidade. É um diferencial que reduz a dependência do suprimento externo e aumenta a segurança quanto ao abastecimento de um serviço vital ao desenvolvimento econômico e social.

Para limitar o aumento médio global da temperatura em 2º.C até 2050, e assim evitar catástrofes maiores com o aquecimento global, deve-se construir no mundo a cada ano e durante vinte anos, 100 GW de usinas sem emissões de gases de efeito estufa – GEE. No entanto, qualquer fonte de produção de energia elétrica gera impactos sócio-ambientais negativos.

Impactos Socioambientais da Geração de Energia Elétrica

Mandatários de mais de 170 países reunidos na Conferência de Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo no ano de 2002 e no 3º Fórum Mundial da Água em Kyoto em 2003, chegaram a um consenso: toda geração hidrelétrica é renovável e merecedora de apoio internacional.

Em relação a potenciais hídricos, além de ser uma fonte limpa, renovável e segura, pode-se acrescentar o baixo custo do suprimento na comparação com outras fontes (carvão, petróleo, urânio e gás natural). A energia hidrelétrica é classificada como limpa no mercado internacional.

No Brasil, o acesso à energia elétrica deixou de ser critico, mas ainda é preocupante. O censo do IBGE de 2010 aponta 728 mil lares brasileiros sem eletricidade, apesar de aproximadamente 95% da população ter acesso à rede elétrica. Com sua vasta extensão territorial e abundância de recursos energéticos, o país apresenta grande diversidade regional, e concentração populacional e econômica em regiões com problemas de suprimento energético.

Grande parte dos recursos energéticos hidráulicos a explorar no país se localiza em regiões pouco desenvolvidas, como a Amazônia, longe dos grandes centros consumidores e com complexas restrições ambientais. Promover o desenvolvimento e a integração econômico-social dessas regiões, preservar a sua diversidade biológica e garantir seu suprimento energético é um dos maiores desafios do Brasil. Torna-se, portanto, fundamental o conhecimento sistematizado da disponibilidade de recursos energéticos e de novas tecnologias para exploração sustentável do potencial hidrelétrico brasileiro, vis a vis as necessidades energéticas setoriais e regionais.

2.1 As usinas hidrelétricas
O barramento de um rio para construir hidrelétricas significa abrir mão de recursos naturais para produzir energia em escala e provoca impactos ambientais irreversíveis. Por outro lado, a realidade socioeconômica de um país não pode ser compreendida sem a existência de um eficaz sistema de produção e de distribuição de energia elétrica. Esse paradoxo tem que ser resolvido com equilíbrio, bom senso e criteriosos estudos científicos de avaliação que possam concluir entre impactos positivos e negativos qual o balanço final, para que o conjunto da sociedade decida os melhores caminhos para seu desenvolvimento sustentável.

Hidrelétricas produzem aproximadamente 19% de toda a eletricidade consumida no planeta, equivalente a cerca de 5 bilhões de barris de petróleo. O Brasil está em terceiro lugar, no seleto grupo dos cinco maiores produtores juntamente com Estados Unidos, Canadá, Rússia e China. Os Estados Unidos são os líderes, com produção de mais de 300 Twh, seguidos pelo Canadá, com mais de 250 Twh.

O acionamento do primeiro sistema de conversão de hidroenergia em energia elétrica do mundo ocorreu somente em 1897 quando entrou em funcionamento a hidrelétrica de Niágara Falls nos Estados Unidos. De lá para cá o modelo é praticamente o mesmo, com incorporação apenas de novos materiais e tecnologia de ponta, que permitem maior eficiência e confiabilidade do sistema.

Todos os países desenvolvidos aproveitam seus recursos hídricos para gerar energia limpa, até mesmo o Japão, com seu pequeno espaço territorial. É uma alternativa altamente viável, porque gera grandes quantidades de energia a baixos custos, a fonte de geração pode ser armazenada e há tecnologia e estrutura de geração, transmissão e distribuição. Em relação a outras fontes, a energia hidráulica é a de menor custo.

Custo médio de produção por kw instalado

Os rios mais adequados para a construção de hidrelétricas são os dotados de maiores desvios e declives, afinal é nas quedas que está a energia. São justamente estes rios os mais sujeitos a grandes variações da vazão, sendo necessário regularizá-la para que a usina possa funcionar ininterruptamente e a plena carga. Quando há um prolongado período de seca, os rios perdem volume e o nível do reservatório das usinas cai, diminuindo a força da queda d’água. Consequentemente, algumas turbinas têm que ser desligadas, o que causa um déficit na produção de energia.

A regularização do regime de um rio só é possível com a construção de barragens sólidas. A construção de barragens é útil não só para hidrelétricas, mas também para a irrigação do entorno, fornecimento de água para fins industriais, alimentação de canais navegáveis e criação de algumas espécies de peixes. As águas se acumulam nesse paredão e as comportas são abertas ou fechadas de acordo com a necessidade energética e de fluxo de água, obtendo-se dessa maneira uma vazão média constante o ano todo.

Há dois tipos de reservatórios de água em usinas: reservatórios de acumulação e a fio d’água. Os reservatórios de acumulação possuem maior profundidade e amplas áreas alagadas, podendo apresentar variações de nível da água bastante acentuadas. A água do reservatório demora longo período, até meses, para renovar-se por completo. Já os reservatórios a fio d’água, de forma geral, possuem áreas alagadas e profundidade moderada, além de baixo tempo de residência da água no reservatório, de alguns dias ou poucas semanas, até renovação completa.

A geração de energia elétrica ocorre quando a água represada no reservatório é conduzida com muita pressão através de enormes tubos até a casa de força, onde estão instaladas as turbinas e os geradores que produzem eletricidade. A água represada possui energia potencial gravitacional que se converte em energia cinética e se transfere para a turbina.

A turbina de uma usina é formada por uma série de pás ligadas a um eixo, que é conectado ao gerador. A pressão da água sobre essas pás produz um movimento giratório no eixo da turbina, que gera um campo eletromagnético dentro do gerador e produz energia. Ela passa por um transformador que aumenta sua voltagem e facilita sua movimentação. Ao chegar às cidades, por meio de um emaranhado de linhas de transmissão, outro transformador reduz a energia de volta ao nível adequado para distribuição aos consumidores finais.

Esquema de funcionamento de uma usina hidrelétrica

A cadeia de produção de eletricidade abrange três segmentos principais: geração, transmissão e distribuição. A geração trata de novas usinas e de investimentos em manutenção e atualização tecnológica. A transmissão, compreende a construção de novas interligações entre os subsistemas mas também o reforço de toda a malha da rede básica, em consonância com o aumento da carga e dos fluxos de energia. A distribuição envolve a instalação de equipamentos e a expansão da rede elétrica de média e baixa tensão, de acordo com a evolução do consumo final.

O porte de uma usina determina as dimensões da rede de transmissão necessária para levar energia até os centros de consumo. Quanto maior a usina, mais distante ela tende a estar dos grandes centros. Exige a construção de grandes linhas de transmissão em tensões alta e extra-alta (de 230 quilovolts a 750 quilovolts), que muitas vezes, atravessam o território de vários estados.

Os projetos de usinas hidrelétricas em todo o mundo, independente do porte e localização, têm como ponto de partida um estudo geológico e hidrológico detalhado da região. Uma usina hidrelétrica pode levar até 10 anos para ser construída e tem vida útil de até 200 anos. A modernização aumenta a vida útil da usina em mais de 40 anos, com investimentos equivalentes a 15% do custo da construção de uma nova. As usinas são projetadas para resistir a eventos extremos, como chuvas torrenciais, inundações e movimentações de terra.

Após o processo de reforma e modernização, os ganhos de capacidade de geração são marginais, em torno de 2,5%, mas os custos de manutenção e operação diminuem substancialmente. O que pode aumentar em até 12 % a capacidade de uma usina é trabalhar em sua repotenciação. Os Estados Unidos investem anualmente US$ 150 milhões em projetos de modernização e repotencialização de seu parque gerador hidráulico, por meio de um programa estratégico implementado 20 anos antes do Brasil.

Uma usina hidrelétrica é classificada em dois tipos principais, de acordo com a sua potência de geração de energia: as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), com potência instalada entre 1 a 30 MW e reservatório com área inferior a 3 km² (Resolução Aneel 394/98); e grandes centrais hidrelétricas (GCHs), com potência superior a 30 MW.

2.2 A hidreletricidade brasileira
O Brasil é uma nação com insuficiente nível de desenvolvimento, ao qual se associam um baixo consumo específico de energia, carência de infraestrutura energética e concentração do uso das riquezas naturais. Historicamente, apresenta uma importante vantagem comparativa no setor energético, relacionada à abundância de recursos naturais a baixos custos e uma matriz energética relativamente limpa. A questão estrutural que se coloca para o país nos próximos anos é como enfrentará os desafios de prover energia limpa, renovável, barata e acessível, quais ações terá de empreender para manter essa vantagem comparativa e como irá atender ao aumento de demanda energética por conta de seu desenvolvimento econômico.

Nesse cenário, o poder público é necessariamente o protagonista da condução dos rumos do setor energético, especialmente em relação a barreiras e a conflitos de interesses entre os vários agentes que atuam nesse mercado. O planejamento e a gestão energética têm que ser empreendidos na direção da redução da pobreza e da ampliação do acesso à energia às camadas sociais menos desfavorecidas. Devem também contemplar os impactos ambientais da produção e do uso da energia, em especial as emissões de gases de efeito estufa e seus efeitos sobre o clima do planeta, de modo a assegurar a sustentabilidade do crescimento econômico.

O sistema energético brasileiro iniciou seu desenvolvimento com iniciativas essencialmente locais de alguns poucos pioneiros. Depois, passou a atrair os interesses de empresas e de capitais estrangeiros que aproveitavam a flexibilidade permitida pela legislação, essencialmente municipal e estadual. Com o passar do tempo, o governo central começou a intervir diretamente nesse estratégico setor da economia, criando uma legislação reguladora das concessões. Na década de 1990 o setor ficou mais flexível para novos entrantes, com a desregulamentação do mercado.

O Brasil é um país privilegiado em termos de disponibilidade de recursos renováveis para o aproveitamento energético. Dentre eles, podem ser destacados os recursos hídricos,responsáveis pela maior parte da geração de energia elétrica no país. O potencial de geração hidrelétrica no Brasil está estimado, em grandes números, em 260 mil MW, dos quais cerca de 30% foram aproveitados até o momento. Do potencial hidrelétrico brasileiro total conhecido, atualmente não mais do que 30% é utilizado, contra mais de 70% na maioria dos países desenvolvidos. O Brasil é capaz de guardar água equivalente ao seu consumo de 6 meses, muito pouco para um bem essencial à vida e para um país tropical de dimensões continentais.

Existe, portanto, um enorme potencial hidrelétrico a ser explorado, cerca de 190 mil MW, espalhado de maneira não uniforme por todo o território nacional. Esse potencial encontra-se fortemente concentrado nos biomas da Amazônia e do Cerrado, áreas distantes dos principais centros consumidores localizados no Sudeste brasileiro e sujeitas a fortes restrições ambientais. Esta inviabilidade física de fazer coincidir os recursos de geração de eletricidade no país com sua eventual demanda por energia, acarreta altos custos de transmissão.

As bacias hidrográficas brasileiras apresentam aproveitamento muito desigual do potencial estimado, sendo que a Bacia do Paraná é que tem o melhor aproveitamento.

Bacias

Cerca de 45% da oferta interna de energia no país é proveniente de fontes renováveis, ante 13,3% da matriz mundial. O Plano Decenal de Expansão de Energia do Ministério de Minas e Energia prevê um crescimento do consumo médio de cerca de 4 % ao ano pelos próximos cinco anos, taxa que praticamente se repetiu nos últimos 25 anos.

Matriz energética brasileira em 2010 e 2020

De acordo com dados do Ministério das Minas e Energia (MME) constantes no Balanço Energético Nacional de 2010, a energia produzida em usinas hidrelétricas brasileiras corresponde a 14,2% de sua matriz energética e a 75,9% de sua matriz elétrica.

Matriz de oferta de energia elétrica no Brasil

O Brasil possue mais de 500 usinas hidrelétricas, dentre as quais 167 de grande porte, responsáveis por mais de 97% de sua capacidade instalada. Novos empreendimentos se espalham pelo país, sendo mais de 40 de grande porte. Quatro das 20 maiores usinas do mundo estão instaladas no país: Itaipu, com potência de 14 mil MW, localizada em Foz do Iguaçu, no Paraná, ocupa o segundo lugar; Tucuruí, instalada no Pará, está na quarta posição, com 8,3 mil MW; Ilha Solteira, na divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul é a 15ª com 3,4 mil MW; e Xingó, localizada entre Sergipe e Alagoas é a 16ª com 3,1 mil MW.

Itaipu tem uma capacidade de 14 mil MW, 20 unidades geradoras e responde por 16,99% da demanda brasileira e 72,91% da demanda paraguaia de energia elétrica. Perdeu seu título de maior hidrelétrica mundial para Três Gargantas construída no rio Yangtsé, na China. As obras dessa usina, que custou U$ 37 bilhões, iniciaram-se em 1992 e em 2004 entraram em operação as primeiras turbinas. Tem capacidade de 18 mil MW e 26 turbinas.

2.3 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs)
As pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) foram concebidas para atender o consumo próximo a centros de carga e possuem importante papel no desenvolvimento de geração de energia, principalmente quando implantadas em locais isolados para atender comunidades sem energia. Geralmente abastecem pequenos centros consumidores e não necessitam de instalações tão complexas para transmitir energia. São implantadas junto a baixas quedas d’águas – uma queda é considerada baixa quando inferior a 40 metros; entre 40 e 80 metros, média; e acima de 80 metros, alta.

Diferentemente de uma usina hidrelétrica de grande porte, as PCHs não se utilizam de grandes reservatórios para armazenagem de água. Operam a fio d’água, ou seja, permitem a passagem contínua de toda água com uma capacidade nominal mais estável. As PCHs aproveitam a força da correnteza e a vazão natural dos rios sem precisar estocar grandes quantidades de água. Requerem uma pequena área inundável, muitas vezes equivalente ao nível das cheias do rio. Possuem reduzidos custos de instalação, construções com poucos impactos sociais e ambientais, menor volume de investimentos, prazo de maturação mais curto e operação incentivada.

No Brasil há dispensa de licitação para obtenção de concessão, basta ao empreendedor obter autorização da Aneel. As PCHS utilizam-se de equipamentos, serviços de engenharia e construção totalmente nacionais. Apesar do menor porte, o preço da energia produzida em uma PCH é competitivo em relação ao das hidrelétricas tradicionais, tendo em vista diversos incentivos. O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa) financia até 70% do investimento como uma espécie de avalista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Outros incentivos podem ser citados: a possibilidade de utilização de regime fiscal em lucro presumido; maior facilidade na obtenção de licenciamento ambiental; isenção de pagamento de alguns encargos como o Uso do Bem Público (UBP), de encargos com pesquisa e desenvolvimento e do pagamento da compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos; menor prazo de implementação e manutenção do investimento; possibilidade de comercializar de imediato a energia elétrica produzida com consumidores cuja carga seja maior ou igual a 500 KW; e a possibilidade de sub-rogação da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) para empreendimentos instalados em sistemas isolados.

O benefício concedido às PCHs na comercialização de energia gerada no mercado livre consta na regulamentação da contratação de energia incentivada, que prevê redução nas tarifas de distribuição e transmissão dos geradores e dos respectivos consumidores dessa energia. De acordo com a Lei 9.427/1996, fontes alternativas (PCH, biomassa, eólica e solar) têm direito a um desconto de no mínimo 50% nas tarifas de uso do Sistema Interligado Nacional (SIN). O direito a esse desconto é estendido também aos consumidores.

Os locais para melhor aproveitamento de PCHs encontram-se nas regiões Sul e Sudeste, nas bacias do Paraná e do Atlântico Sudeste, ou seja, próximos dos maiores centros consumidores do Brasil. Os novos projetos concentram-se na região Centro-Oeste. Dados da Eletrobrás indicam existir potencial de cerca de 10 mil MW a ser explorado com a viabilização de mais de 900 novas PCHs.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indica um total de 371 PCHs em operação; 61 em construção; 150 outorgadas; e mais de 500 projetos em fase inicial de estudos. Essas usinas produzem apenas 2,89% da energia elétrica brasileira e caso todos os projetos em andamento sejam viabilizados, aumentando em três vezes o total de PCHs do país, acrescentarão muito pouco à sua capacidade total. O horário de verão brasileiro entre outubro de 2011 e fevereiro de 2012, que durou 133 dias, economizou 4,6% ou 2650 MW da energia elétrica do país, ou seja, quase uma vez e meia o potencial total de energia das PCHs.

As PCHs estão dispensadas de EIA-RIMA em alguns estados brasileiros, necessitando somente da elaboração de um Estudo Ambiental Simplificado, que na maioria das vezes não aponta todos os impactos da obra. Essa dispensa faz com que muitos empreendedores optem por PCHs e terminem por planejar várias delas no mesmo rio, sem que seja realizado um estudo amplo do impacto do conjunto das obras sobre o curso d’água ou a bacia. Dessa forma, muitos rios transformam-se em escadas sequenciais de pequenos lagos com a única função de gerar energia, o que prejudica o ecossistema local, a paisagem e o desenvolvimento de outras atividades econômicas.

A facilidade para obterem-se licenças ambientais não significa que as PCHs não provoquem impactos negativos ao meio ambiente. Pelo contrário, como podem ser instaladas próximas ao perímetro urbano, esses impactos são potencializados. No bioma do Pantanal brasileiro há previsão de construir-se 61 PCHs nos próximos 9 anos, que irão acrescentar 1,33% de potencial adicional de energia elétrica à capacidade do país. Certamente os impactos a esse patrimônio ecológico mundial serão profundos e um grande embate será travado entre ambientalistas, empresários, comunidade e poder público, com desfecho imprevisível.

2.4 Compensação Financeira das usinas hidrelétricas
Na Constituição Federal de 1988, o artigo 20 define como bens da União, entre outros, os potenciais de energia hidráulica. Seu parágrafo primeiro assegura a participação pública no resultado da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, ou a compensação financeira por esta exploração.

Instituída pela Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, regulamentada pelo Decreto nº 3.739, de 31 de janeiro de 2001 e pela Resolução Aneel nº 67, de 22 de fevereiro de 2001, a Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) é paga mensalmente a estados e municípios que tiveram áreas alagadas ou foram afetados pelos reservatórios das grandes usinas hidrelétricas instaladas na região. Geradoras caracterizadas como Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), são dispensadas do pagamento da Compensação Financeira.

A Compensação Financeira é um importante instrumento econômico de gestão ambiental. Primeiro porque seu recolhimento configura-se como um pagamento pelo uso do recurso natural. Depois, a destinação dos montantes arrecadados para os estados e municípios atingidos garante recursos para que se minimizem as externalidades negativas decorrentes da implantação e operação de uma usina hidrelétrica.

Em 2011, segundo a Aneel, a arrecadação da compensação financeira para geração de energia elétrica a municípios, estados e União, incluindo royalties (compensação financeira devida pela Usina de Itaipu), foi de R$ 2,005 bilhões. Desse total, R$ 1,635 bilhão são referentes à CFURH e R$ 370,1 milhões aos royalties.

Em dezembro de 2011 o valor de compensações chegou a R$ 172,7 milhões.Os recursos desse mês foram distribuídos a 686 municípios de 21 estados, ao Distrito Federal e à União, dos quais R$ 139,2 milhões vieram de CFURH. A transferência de royalties foi de R$ 33,5 milhões a 342 municípios de cinco estados, ao Distrito Federal e à União. Os valores foram arrecadados de 92 empresas pagadoras, responsáveis por 174 usinas hidrelétricas e 184 reservatórios.

O gerenciamento do recolhimento dos recursos, assim como da distribuição entre os beneficiários, é feito pela Aneel. O valor da Compensação Financeira corresponde a 6,75% da energia de origem hidráulica efetivamente verificada, medida em MWh, multiplicado pela Tarifa Atualizada de Referência (TAR), fixada pela Aneel.

Do total de 6.75% dos recursos da Compensação Financeira 0,75% são destinados ao Ministério do Meio Ambiente para aplicação na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, constituindo-se tal parcela em pagamento pelo uso de recurso hídrico para fins de geração de energia elétrica.

Os 6% restantes são distribuídos da seguinte forma: 45% para municípios atingidos pelas barragens, proporcionalmente às áreas alagadas; 45% aos estados onde se localizam os reservatórios; e 10% para a União.

2.5 A expansão do parque elétrico brasileiro
Apesar de existirem inúmeras restrições socioeconômicas e ambientais, a energia hidráulica é a principal fonte geradora de energia elétrica do Brasil, principalmente devido ao seu potencial hidrelétrico. Essa dependência é preocupante, reflexo da falta de políticas de investimentos mais agressivas em fontes alternativas de energia.

O país necessita viabilizar novos empreendimentos para conseguir atender sua crescente demanda energética e criar um sistema mais confiável e previsível, tanto na geração de energia quanto em sua transmissão, distribuição e custos. Precisa acrescentar 70 mil MW de capacidade de geração de energia até 2020 para atender o crescimento da demanda interna.

A Eletrobrás e a Aneel, constatam que nos próximos anos, pelo menos 50% da necessidade de expansão energética brasileira será suprida pela energia hidrelétrica. Após muitos anos e vultosos investimentos em usinas hidrelétricas, desenvolveu-se no país uma engenharia de alto nível, a exemplo do que ocorreu com a Petrobrás. São inúmeros projetos que evidenciam a capacitação elevada da engenharia nacional.

Para ampliar a oferta de energia que possa atender ao crescimento de sua economia, o governo busca acordos com países vizinhos, como parte de uma estratégia de integração e compartilhamento energético, em busca de menor eficiência de custos. O objetivo é construir novas hidrelétricas em países sul-americanos que acrescentem 18 mil MW no seu sistema até 2020.

O país tem poucos rios com potencial para geradoras de energia de grande porte a preços baixos. O alvo prioritário é o Peru, pois além de preços reduzidos, tem baixa demanda energética e possui 14% do potencial hídrico da América Latina. Mas também por lá há resistências de movimentos ambientalistas. A América Latina dispõe de 18% do potencial hídrico mundial e só explora 24% desse total. Os principais projetos em desenvolvimento encontram-se na Argentina, Peru, Uruguai, Bolívia e Colômbia.

O crescimento de consumo pode também ser atendido pelo uso mais eficiente dos equipamentos elétricos. Uma lâmpada incandescente que possua 3% de eficiência energética, quando alimentada por uma termoelétrica movida a carvão com eficiência média de 33% (média dos Estados Unidos), apresenta como resultado da conversão de energia em luz apenas 1%, inaceitável. Já uma lâmpada LED, alimentada por uma turbina a gás natural eficiente, converte 20% da energia total em luz, ou seja, 20 vezes mais que uma lâmpada incandescente. Assim mesmo, vê-se a quantidade absurda de energia desperdiçada em ambos os casos.

Estudos feitos pela World Widelife Fund (WWF) e pela Universidade de Campinas (Unicamp), apontam que o Brasil tem possibilidades de utilizar apenas metade da energia que consome sem nenhum prejuízo ao país. Pode economizar 30% com conservação e eficiência energética, tal como se fez no apagão de 2001; 10% com ganhos nas linhas de transmissão, que hoje perdem entre 15% e 17% da energia que transmitem; e 10% repotenciando geradores antigos de usinas com baixo rendimento, a custos menores que o da construção de novas hidrelétricas. Há possibilidade também de incorporar à oferta energética unidades geradoras ainda não instaladas em usinas já prontas.

Com o sistema elétrico brasileiro operando no limite entre a capacidade de fornecimento e a demanda, dirigentes do setor por muitas vezes dependeram de fatores que estavam fora de seu controle. Um deles foi a ausência de chuvas que ocasionou o apagão de 2001. Na realidade a causa principal desse grave evento foi a crônica falta de investimentos no setor. A demanda por energia foi teimosamente superior à oferta, acumulando um déficit de mais de 10% em dez anos (1990 a 2000).

O setor de energia brasileiro sofre com deficiências de planejamento, falta de investimentos e dificuldades em criar um ambiente regulatório com regras estáveis o suficiente para atrair novos empreendimentos. As deficiências são evidentes tanto na capacidade de geração de eletricidade quanto nas interligações da rede nacional de distribuição.

Um dos nós górdios do setor é possuir uma das tarifas de energia mais caras do mundo, que penaliza a capacidade competitiva da indústria nacional. Estudo elaborado em 2011 pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) aponta que a tarifa industrial de consumo de energia atinge R$ 329 por megawatt/hora, valor 53% superior à média global. Na Alemanha a tarifa é de R$ 213; Índia 188; China 142; Estados Unidos 117; e Rússia 91.

O patamar elevado de tarifas de eletricidade ocorreu entre outros motivos, pela elevação de preços superior à inflação. Em levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, a pedido do jornal Folha de São Paulo, entre os anos de 1997 e 2011 a inflação medida pelo IPCA foi de 136,1% e o aumento médio de tarifas de energia de 240,1%. Somente a partir de 2008 as tarifas começaram a ser reajustadas abaixo da inflação oficial.

De acordo com a Aneel, a somatória de geração, transmissão e distribuição (GTD), representa aproximadamente 63% do valor final da tarifa elétrica, quando os padrões internacionais estão em cerca de 30%. Desses 63%, metade é do setor de geração, os restantes 37% são os impostos ICMS e PIS/COFINS (26%) e vários encargos setoriais (11%). Encargos estes que já deveriam ter sido eliminados, pois os motivos de sua criação foram de há muito cumpridos, como o programa Luz para Todos.

O processo de redução de tarifas é necessário e deve ser intensificado, por meio de cortes nos preços de GTD, dos impostos e dos encargos. Já a possibilidade de iniciar uma redução estrutural das tarifas de energia deve ocorrer com a aproximação do vencimento de numerosas concessões no setor elétrico. Em 2015 vencem contratos de cerca de 22% do parque de geração, 60% da transmissão e a grande maioria das distribuidoras estatais. Mas o governo brasileiro sinalizou não pretender grandes baixas tarifárias, para preservar a capacidade de investimentos das empresas geradoras, principalmente da Eletrobrás.

Como o Brasil é relativamente pobre em reservas de carvão – ainda hoje a principal fonte primária para a geração de energia elétrica no mundo – e caso fortes restrições ambientais sejam impostas à exploração do potencial hidrelétrico ainda remanescente, em particular na região Amazônica, poucas alternativas restam, entre as quais usinas termelétricas, usinas nucleares e energia da biomassa.

Em relação à energia eólica e solar ainda há um longo caminho a trilhar, face aos elevados custos e à intermitência dessas fontes. A energia das marés ainda tem desenvolvimento incipiente e a geotérmica pouca disponibilidade. E a constatação histórica: uma nova fonte de energia nunca substitui por completo outra, e sim complementa uma miríade de fontes de uma matriz energética ao longo de muitos anos.

Evolução do consumo mundial de energia primária por fonte *

Texto enviado via e-mail por Rodnei Vecchia (Autor do livro “O Meio Ambiente e as Energias Renováveis”) às 18:36 em 12/04/2012.