Fatos Gerais

Cenários sobre o futuro mostram fontes renováveis e limpas de energia

Para ajustar-se às exigências de redução da emissão de poluentes determinada pelo Protocolo de Kyoto, os países mais industrializados já estão colocando em marcha programas com o objetivo de substituir a geração termelétrica a partir de combustíveis fósseis, considerada umas das principais fontes de gases causadores do efeito estufa, por fontes renováveis e limpas de energia.

No Brasil, isso não é necessariamente um desafio. De acordo com informações do Balanço Energético Nacional 2008 (BEN 2008), elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão estatal federal encarregado do planejamento energético do país, o Brasil contou, em 2007, com 46% de fontes renováveis de energia em sua matriz energética, sendo o restante vindo de fontes de energia não-renováveis. Nos países industrializados, as fontes renováveis correspondem a apenas 14% das matrizes energéticas, sendo a grande maioria de fontes não-renováveis, com destaque em especial para os combustíveis fósseis.

Cenários sobre o futuro do consumo global de energia, elaborados por duas instituições, apontam para a expectativa de que o mundo realmente se conscientizará sobre a importância de se alterar a trajetória do aquecimento global, incorporando novas fontes energéticas, comportamentos e tecnologias mais saudáveis para o meio ambiente. “Já não há dúvidas de que o aquecimento global é o grande problema no século”, diz a diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), Marina Grossi. “O que temos de fazer agora é tomar as medidas necessárias para enfrentar esse problema”.

Segundo a diretora do Cebds, a temperatura média à superfície subiu, no mundo, 0,7º C desde 1990. Ela acrescenta que, entre 1990 e 1998, foram registrados 72 eventos climáticos extremos, que provocaram perdas econômicas globais anuais de US$ 170 bilhões. Entre 1980 e 1990, foram 44 eventos e, entre 1970 e 1980, 29. “É possível mudar esse quadro, mas é preciso que isso comece a ser feito o quanto antes”, diz Marina. “Temos hoje uma janela de oportunidade para mudar o nosso destino com menor custo.”

De acordo com Marina Grossi, um estudo realizado pelo World Busines Council for Sustainable Development (WBCSD), entidade mundial da qual o CEBDS é associado, prevê cenários que apontam mudanças de curso importantes, com reflexos positivos no tratamento do aquecimento global”. Segundo o estudo, 40% das emissões de CO2, um dos gases que provocam o efeito estufa, provêm da geração de energia e calor a partir da queima de combustíveis fósseis.

O estudo prevê que, até 2050, o número de usinas termelétricas a gás natural – cujas emissões são inferiores às proporcionadas por outros combustíveis fosseis – e a participação das usinas nucleares serão triplicados. Além disso, o trabalho do WBCSD prevê que a quantidade de hidrelétricas praticamente duplicará no período. A presença de fontes alternativas nas matrizes energéticas deverá crescer 160 vezes até aquele ano.

Conclusões semelhantes foram produzidas por um estudo, denominado “Decidindo o Futuro: Cenários de Política Energética para 2050”, realizado pelo Conselho Mundial de Energia. De acordo com o presidente do Comitê Brasileiro do Conselho Mundial de Energia, Norberto de Franco Medeiros, outras constatações importantes resultaram desses debates. Uma delas é que os combustíveis fósseis continuarão a ser responsáveis por parte significativa das necessidades energéticas até 2050. As boas novas, segundo o trabalho, é que a expectativa é a de que a produção desses combustíveis irá aumentar, o acesso a essas fontes será facilitado e, apesar disso tudo, o planeta conseguirá administrar as emissões de gases do efeito estufa e controlar as mudanças climáticas decorrentes.

“O fato é que o petróleo continuará a dominar o cenário energético por muito tempo, simplesmente porque não existem alternativas para ele”, analisa Medeiros, que já foi presidente de Furnas Centrais Elétricas. Questionado sobre o potencial do etanol como alternativa mais limpa para os combustíveis derivados do petróleo, Medeiros ressalta que os volumes de produção previstos são insuficientes para a realização de uma substituição total.

O trabalho revela ainda que o instrumento que permitirá o controle do uso dos combustíveis fósseis será o preço elevado a ser pago pela energia. Com a energia mais cara, a expectativa dos participantes desse estudo é a de que se conseguirá atrair os investimentos necessários para viabilizar os projetos. Por outro lado, esse fator estimulará a eficiência energética. “Como dizia o ex-ministro Delfim Netto, o órgão mais sensível do corpo humano é o bolso”, diz Medeiros.

O trabalho também prevê um importante impacto das energias renováveis nesse mercado, mas sem que essas fontes cheguem a dominar os mercados.

O que muitos países aspiram para si já é realidade no Brasil. De acordo com o BEN 2008, em 2007, foi registrado um aumento de 7,6% na oferta de energia renovável no Brasil em relação a 2006, enquanto que, na mesma base de comparação, as fontes de energia não-renováveis apresentam expansão de 4%. Em 2007, a participação dos diferentes energéticos na matriz brasileira foi a seguinte: petróleo e derivados (37,4%), hidráulica e hidreletricidade (14,9%), derivados de cana-de-açúcar (15,9%), lenha e carvão vegetal (12%), gás natural (9,3%), carvão mineral e derivados (6%), outras renováveis (3,2%) e urânio e derivados (1,4%).

“O crescimento da oferta de energia tem ocorrido preservando-se um alto grau de presença de energias renováveis e mediante uma saudável diversificação das fontes”, diz Maurício Tolmasquim, presidente da EPE. Ele lembra que, em 1970, o país contava, em sua matriz energética, com uma participação majoritária de apenas duas fontes, petróleo e lenha, que respondiam por 86% do total. O restante era constituído por cana-de-açúcar e seus derivados (4%), geração hidráulica (5%), e outras fontes (5%).

Tolmasquim prevê que esse processo de diversificação e manutenção de fontes renováveis na matriz energética deverá se estender no longo prazo. “A expectativa é de que tenhamos, em 2030, uma matriz energética fundamentada em quatro importantes fontes: petróleo, gás natural, energia hidráulica e cana-de-açúcar”, diz ele.

Mas, na matriz elétrica, formada pelas fontes específicas de geração de energia elétrica que integram a matriz energética, o momento é de preocupação, admite Tolmasquim. A matriz elétrica nacional apresenta atualmente a seguinte composição: 76,1% de geração hidráulica (hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas – PCHs), 11,2% de gás natural, 4,6% de óleo combustível, 4,4% de biomassa (cogeração), 2% de energia nuclear, 1,4% de carvão e 0,2% de geração eólica. “Nossa matriz, comparativamente à de outros países, é espetacular”, diz o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales.

Ocorre que, desde 2005, foram comercializados nos leilões de energia nova mais de 5 mil MW médios de energia de projetos de geração a óleo combustível, de acordo com informações do instituto. Esse volume de energia correspondeu a mais de 35% do total negociado em sete leilões realizados, que somaram cerca de 14 mil MW médios. Nesses leilões, os novos projetos de usinas hidrelétricas responderam por menos de 2 mil MW médios. Nos últimos leilões, também não foi registrada a presença de projetos de termelétricas a gás natural, considerada na década passada a fonte com maior potencial para a complementação da geração hidrelétrica, por causa da escassez na oferta deste energético, como lembra o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires.

Além de “sujarem” a matriz elétrica, a expectativa é de que os projetos de termelétricas a óleo combustível e a óleo diesel deverão provocar forte impacto nas futuras contas de energia elétrica. Segundo estimativas do setor, a geração térmica a óleo combustível apresenta um custo de R$ 382,00 por MWh gerado, muito acima do registrado pela geração hidrelétrica (R$ 105,00/MWh) e pela geração térmica a gás natural (R$ 164/MWh).

Tolmasquim ressalva que os leilões que destacaram a energia das termelétricas a combustíveis fósseis serviram para contornar uma ameaça de déficit na oferta de energia previsto para a próxima década. Ele atribui a falta de projetos de usinas hidrelétricas, em parte, a uma atuação “esquizofrênica” de um grupo, constituído por Ministério Público, ONGs e universidades. “Em nome da preservação do meio ambiente, esse grupo acaba viabilizando os projetos de termelétricas causadoras do efeito estufa”, diz o presidente da EPE. Tolmasquim diz que se tornou parte do processo de licenciamento ambiental a “judicialização”, o que prejudicou o andamento dos projetos.

O presidente da EPE admite que o sistema elétrico atravessa uma escassez de inventários de rios para a identificação de aproveitamentos hidrelétricos, decorrente, segundo ele, da desmontagem do planejamento energético nos anos 90.

“As perspectivas são boas”, disse ele. Existem, segundo ele, projetos de hidrelétricas, que somam 27 mil MW de capacidade conjunta, que poderão ser oferecidos nos leilões de energia nos próximos anos. Os projetos deverão passar ainda por licenciamento ambiental.

Datado: 22/10/2008
Fonte: Valor Econômico