Pedagogia

Uma concepção de informática na educação

Professores e Máquinas: Uma Concepção de Informática na Educação

Paulo Gileno Cysneiros

Resumo
Apresenta um modelo em construção, multidisciplinar, sobre a assimilação das tecnologias da informação (TI) pela escola pública, tendo como base uma análise fenomenológica da relação ser humano à tecnologia à mundo. Examina a história da tecnologia educativa e a trajetória cíclica de inovações passadas, que geravam elevadas expectativas, eram acompanhadas por um discurso sobre mudanças na educação, estabeleciam-se políticas de introdução, resultando com o tempo em uso limitado. Considera a possibilidade das TI diminuírem a distância entre a atividade mental na escola e no trabalho. Desenvolve o conceito de microculturas, formadas por grupos específicos de interesse, virtuais e reais. Examina a Internet na educação, o lugar do software educativo, a formação de professores, o ensino introdutório de informática na escola e o gerenciamento das TI em educação.

SUMÁRIO

Introdução
Neste texto apresento um modelo em construção, procurando atender à necessidade de um ponto de vista multidisciplinar – unificador de enfoques diversos – que possa ser útil no processo de formação de professores para o uso das novas tecnologias da informação (TI), particularmente computadores ligados à Internet.

Esta lacuna tornou-se mais evidente com a multiplicidade de cursos de especialização em Informática Educativa, uma das primeiras ações do Programa Nacional de Informática na Educação, ocorrendo simultaneamente em vários pontos do pais em 1997 e com a vulgarização de computadores em escolas particulares.

Na primeira versão deste trabalho (1996), meu ponto de partida era uma objeção comum, que ouvi muitas vezes de professores que vivenciam diariamente os problemas da escola pública brasileira: como colocar computadores em uma escola que não possui condições materiais básicas, não tem pessoal de apoio nem professores capacitados e com tempo para usá-los?

Nossas escolas públicas não possuem equipamentos mais básicos, tais como telefones, copiadora, fax. Alguns parcos equipamentos – geralmente um mimeógrafo a álcool, uma pequena televisão com videocassete, um gravador, um sistema de som – quando não estão quebrados são pouco ou mal utilizados e não tem manutenção.

Embora estejam melhorando lentamente, nossas escolas – principalmente nos estados do norte e nordeste e na regiões rurais – ainda sofrem de males consideráveis. Servem a comunidades carentes que não a consideram como suas e apresentam mobiliário e instalações precárias e sem segurança. Não dispõem do recurso mais fundamental que é uma biblioteca atualizada razoável. Nas grandes cidades são ruidosas, quentes, escuras e tem pouco espaço físico, apresentando uma arquitetura desconfortável que dificulta o trabalho intelectual de alunos e mestres. Dependem excessivamente da administração central das redes, em contextos tradicionais de forte dependência da burocracia e das oscilações de quem estiver no poder. A escolha de professores e dirigentes escolares situa-se além da comunidade e do próprio secretário de educação, sendo moeda política controlada pelos mais votados no bairro ou na região, onde ética e competência profissional são fatores secundários.

O professor típico nem sempre domina o conteúdo que ensina, encontra-se sobrecarregado com aulas em mais de uma escola, falta-lhe tempo para estudar e experimentar coisas novas, recebe baixos salários. É comum encontrarmos nas escolas casos incipientes de alcoolismo e um semi-absenteeísmo camuflado, com o professor evitando sempre que pode a sala de aula ou fazendo de conta que ensina, resultado de um esgotamento profissional prematuro.

Existem as exceções. Algumas escolas tem boas instalações físicas e recebem atenção especial da rede (são as escolas-vitrines, para serem mostradas a visitantes ilustres e à mídia local). Outras possuem administradores excepcionais e um pequeno grupo de professores dedicados. Algumas outras recebem ajuda permanente de universidades, empresas ou organizações da comunidade. Algumas poucas redes estão em municípios com excepcionais recursos humanos e materiais.

No entanto, um raciocínio linear – no sentido de resolver primeiro os problemas básicos para depois cuidar da tecnologia – não é a melhor forma de abordar o problema. Basta lembrar que dois dos maiores projetos do atual governo federal envolvem o uso de tecnologias da informação: vídeo com antenas parabólicas em todas as escolas e instalação de cem mil computadores em redes públicas, com previsão de preparação de pessoal e manutenção de equipamentos, a um custo estimado em 476 milhões de dólares para o biênio 1997-1998 (Mec/Seed, 1996; www.proinfo.mec.gov.br/).

Os alunos de escolas públicas estarão muito em breve no mercado de trabalho (muitos já estão) e serão os cidadãos das primeiras décadas do próximo século, onde o uso das TI será ainda mais corriqueiro, do chão de fábrica à universidade (Dimenstein, 1997). Tais alunos vem sendo discriminados também neste aspecto, uma vez que as escolas particulares estão oferecendo – embora quase sempre de modo superficial – acesso a computadores e à Internet.

Uma Concepção Fenomenológica de Tecnologia
Para evitarmos um pragmatismo sujeito a flutuações da moda, é importante o desenvolvimento de concepções teóricas coerentes que fundamentem o uso dessas tecnologias nas nossas escolas. Porém a teorização deve ser continuamente enriquecida pela prática (e vice-versa), para não cairmos no discurso acadêmico de quem não tem vivência do objeto nem na descrença daqueles que tem experiência mas não renovam suas concepções pragmáticas. No campo desta nova tecnologia educativa não vejo utilidade para concepções polarizadoras. O modo comum de encará-la como redentora da humanidade ou como um mal necessário em nada ajuda.

Como base para um modelo viável, venho explorando a utilidade de partes do trabalho de Don Ihde (1979), numa perspectiva das filosofias da práxis. Baseando-se em Heidegger, Ihde faz uma análise fenomenológica do uso humano de ferramentas (denominada por ele de filosofia da instrumentação), a qual estou tentando aplicar aos instrumentos eletrônicos de manipulação do conhecimento usados nas escolas.

A Fenomenologia tenta abordar os objetos do conhecimento tais como aparecem, isto é, tais como “se apresentam” à consciência de quem procura conhecê-los, tentando deixar de lado toda e qualquer pressuposição sobre a natureza desses objetos (Heidegger, 1996; Rezende, 1993; Chauí, 1995), Um dos primeiros passos neste sentido é tentar rever a experiência psicológica do óbvio, do cotidiano, cujo conhecimento é embotado pela familiaridade. Tal abordagem, embora pareça fácil, torna-se difícil pela enorme complexidade da experiência humana. Como diz um ditado, o peixe é o último a descobrir a água.

Segundo Ihde, nossa experiência da realidade é transformada quando usamos instrumentos {Ser Humano à (máquina) à Mundo}. Através do instrumento há uma seleção de determinados aspectos da realidade, com ampliação e redução de outros. A amplificação é o aspecto mais saliente e pode nos deixar impressionados, maravilhados, ao passarmos a experimentar coisas que não faziam parte da nossa experiência anterior, com nossos sentidos nus. A redução, ao contrário, é recessiva e pode passar despercebida, alienando o usuário do instrumento.

Em parte devido à novidade e ao aspecto dramático, parece ser difícil, para alguns adultos, como também para crianças em desenvolvimento intelectual e emocional (construindo representações fundamentais do mundo), fazer distinções claras entre ser humano e computador, antropomorfizando a máquina (algo que crianças pequenas fazem normalmente ao lidar com objetos bem menos reativos ou interativos). Para isto deve haver uma contribuição não desprezível da linguagem associada com Informática, vulgarizada pela ciência e pela mídia, cheia de termos e expressões como inteligência artificial, tutor ou professor eletrônico, agente inteligente, computadores infectados por vírus, vacinas, realidade virtual, voz sintetizada, “mandar” o computador fazer isso ou aquilo, o computador errou (ou não erra), horóscopo por computador, comandado por computadores, etc. Tal linguagem esconde o fato que por trás de qualquer ação da máquina existem ações humanas individuais ou coletivas, extremamente complexas, imediatas ou não.

Assim, a conclusão de uma primeira análise fenomenológica superficial é que a tecnologia não é neutra, no sentido de que seu uso proporciona novos conhecimentos do objeto, transformando, pela mediação, a experiência intelectual e afetiva do usuário; possibilitando interferir, manipular, agir mental e ou fisicamente, sob novas formas, pelo acesso a aspectos até então desconhecidos do objeto.

Dependendo do objeto, do sujeito (mais ou menos crítico), de sua história e da situação especifica (epistêmica), pode-se cair no exagero de considerar as novas características ampliadas do objeto (geralmente aspectos micro ou macro) como mais reais do que aquelas que aparecem, que são conhecidas sem a ajuda de instrumentos. Pode-se, assim, confundir as duas dimensões de continuidade (em essência o mesmo objeto) e diferença (conhecido parcialmente de outro modo) entre a percepção ordinária e aquela mediada pelo instrumento. Neste sentido, as realidades possibilitadas pelas novas tecnologias da informação podem ser alienantes, como nos relatos dos viciados em computadores.

Usemos uma analogia simples: para quem nunca fez longas viagens por terra, o avião deforma, aliena a experiência individual de distância (entre países e cidades) e de todos os outros aspectos contextuais associados (paisagens, climas, topografias, características de outros meios de transporte, condições econômicas e sociais do percurso, etc.).

Vejamos o exemplo do computador como instrumento de comunicação pela Internet (quando se usam programas tipo chat). A realidade selecionada é basicamente aquela da expressão escrita textual e eventualmente de algum material gráfico, produzidos pelos que se comunicam. Há ampliação da comunicação linear simultânea e da possibilidade do registro das trocas (memória eletrônica). A distância torna-se irrelevante, havendo redução do tempo de comunicação, dos aspectos não verbais da comunicação, do contexto da realidade concreta da interação face a face (entre outros). Uma análise fenomenológica mais detalhada mostraria muitos outros elementos, ampliados e reduzidos: facilidade de construção de respostas mais “pensadas”, alterando a contingência do tempo de reação à fala do interlocutor; ausência do parceiro (ou parceiros simultâneos) no espaço pessoal de quem se comunica ou de quem recebe (todos estão nos seus espaços, “em casa”, sem invasões e sem espaços “neutros”; segurança pessoal, possibilidade de interrupção brusca do diálogo ou de saída de uma dupla para outro espaço virtual; desconhecimento do espaço físico do interlocutor, ausência de cheiros e assim por diante.

Em tais contextos é comum as pessoas esconderem do interlocutor ou alterarem aspectos pessoais como idade, aparência, situação social, idealizando, ao mesmo tempo, outros aspectos do parceiro conhecido apenas através do computador e de elementos contextuais muito limitados. Há também alteração do peso dos talentos pessoais: algumas pessoas se comunicam melhor por escrito do que oralmente. Outras, com dificuldades de relações humanas, consideram o instrumento eletrônico um meio de comunicação mais gratificante.

Outro aspecto não desprezível é o caráter inicial dramático da realidade mediada pela nova tecnologia. Nos primeiros anos do cinema, por exemplo, as platéias em salas escuras tinham medo de cenas de trens que se aproximavam do espectador (confusão entre percepção ordinária e mediada). Atualmente a TV ainda goza do charme dramático da novidade, ao realçar formas e alterar perspectivas de rostos e de outros detalhes corporais; ao criar efeitos e modificar objetos e contextos televisionados, mostrando-os repetidamente, descobrindo ou inventando novas realidades.

A mídia, a ficção – e mesmo alguns cientistas com formação humanista limitada – tem exagerado, há décadas, os aspectos dramáticos dos computadores, considerando-os máquinas “pensantes”, dotadas de inteligência artificial. Um fenômeno interessante foi a extensa cobertura pela mídia, em 1996 e 1997, dos jogos entre o campeão mundial Garry Kasparov e o computador Deep Blue da IBM. Há tempo que computadores ganham das pessoas comuns, em jogos de xadrez, sem se fazer nenhum alarde. O xadrez é um jogo lógico que exige cálculos complexos rápidos, para se decidir sobre próximas jogadas, com base em jogadas passadas. Isto é algo que máquinas computacionais tem de sobra: memória lógica e capacidade de cálculo; em quantidade, rapidez e precisão bem maiores que o cérebro humano.

Usando uma analogia, ninguém de bom senso mede forças nem sente-se inferiorizado por um guindaste que levanta dezenas de milhares de quilos, não havendo comparação com a capacidade muscular humana. Ninguém desafia tais máquinas, como foi o caso do enxadrista russo com o supercomputador da IBM. Diferentemente da inteligência, também não se fala em “força artificial”.

Neste incidente, parece-me que se caminha para uma situação de bom senso. Como no caso de guindastes, Gasparov percebeu que, em vez de lutar contra máquinas, a atitude mais inteligente é usá-las como extensão humana. Numa nova época do xadrez, ele e o campeão búlgaro Topalov se enfrentarão, contando ambos com a ajuda do software “Chessmaster 5500” durante os jogos em junho de 1998 na Espanha. Ainda assim, o efeito dramático aparece na mídia e nas declarações do jogador. Segundo uma revista semanal (Época, 1º de junho 1998, p.66), o russo declarou: “Vamos ver um exemplo do xadrez do século XXI: a perfeita simbiose entre o homem e a máquina” (analogamente, sem o efeito dramático, ninguém hoje refere-se “à perfeita simbiose entre maquinistas e poderosos guindastes portuários”).

As máquinas baseadas na Informática são extremamente repetitivas, por mais inteligentes ou criativas que pareçam. Sempre existem, subjacentes, algoritmos matemáticos que controlam desempenhos de tarefas específicas. A ilusão de poder decisório, no sentido humano, é produto da operacionalização de conceitos matemáticos sofisticados, pouco acessíveis à pessoa comum. Eu não consigo sequer aceitar que tais máquinas sejam “burras”, porque este conceito supõe atividade biológica inteligente, mesmo limitada.

Neste sentido, Wallich (1997), comentando um livro que examina a concepção de computadores disseminada pelo filme “2001” há trinta anos atrás, comenta que muitos aspectos do cotidiano imaginado no filme de Stanley Kulbrick perderam-se de vista no horizonte tecnológico, não sendo mais surpresa que mesmo os talentos mais básicos do computador Hal 9000 (personagem principal do filme) – como por exemplo manter uma conversa simples com uma pessoa – estão muito além dos computadores modernos: “…Eles não conseguem sequer converter sons, de modo confiável, numa representação interna de significado; não conseguem nem mesmo gerar uma fala com entonação natural. As máquinas ainda carecem da enorme base de conhecimento implícito sobre o mundo e de compreensões intuitivas de emoção ou crença que a maioria das pessoas considera como algo dado” (p.96).

Voltando à Educação, as tecnologias educacionais tem ampliado formas convencionais de atuação de professores. Rádio, cinema e televisão ampliavam a capacidade expositiva do professor, reduzindo a interação entre mestre e estudante. Havia enorme redução da presença do aprendiz na nova realidade do ensino à distância, tornando-o impessoal. O aluno tendia a tornar-se mais passivo e a ser considerado uma estatística, praticamente desaparecendo a relação humana com o professor, apesar dos artifícios de se usar monitores em salas de telecurso, de se incentivar o uso do correio físico e de outras formas mediadas de comunicação.

Além de ampliar os sentidos, condicionando a experiência da realidade, as tecnologias do passado ampliavam a força humana, a capacidade de agir fisicamente na realidade concreta. Com as tecnologias da informática, amplificam-se aspectos da capacidade de ação intelectual.

Talvez este aspecto explique em parte o mito – disseminado no início dos anos oitenta com a linguagem LOGO (Papert, 1985) e desde então reforçado pela mídia – que computadores desenvolvem a inteligência das crianças, apesar das pesquisas sérias não corroborarem tal coisa. O fato de “inteligência” ser um conceito amplo, uma realidade construída, não visível, um terreno fértil para interpretações enganosas, torna-se fácil disseminar a crença na sua ampliação pelo uso de instrumentos (diferentemente do que ocorre com ampliações da força física).

Segundo Jean Piaget, não pensamos para agir. O pensamento já é uma forma de ação. Quando pensamos, usamos símbolos no lugar de objetos concretos e operações mentais no lugar de mãos, pés, ferramentas físicas. Entre outras vantagens adaptativas, isto nos liberta da matéria (peso, densidade, etc.), do tempo e do espaço físico, tornando-nos muito mais poderosos na interação com outros seres, com o ambiente. Ajudados por computadores, podemos ampliar nossa capacidade de construir e manipular símbolos, historicamente limitada pelo nosso pequeno cérebro, com o apoio de lápis, pincéis, papel e outras tecnologias mecânicas relativamente toscas. Podemos agora construir e armazenar eletronicamente enormes quantidades de objetos abstratos, relacioná-los, acessar tais memórias de modo extremamente rápido e organizado, amplificar a capacidade de calcular, em suma, agir simbolicamente com objetos de enorme complexidade física e lógico-matemática, em espaços e tempos virtuais.

Estas formas de ampliação, repetimos, longe de serem neutras, são dramáticas. Produzem espanto e sentimentos confusos (por serem realidades novas para nós) e tendem a gerar desequilíbrios na interação entre ser humano e realidade física, social, etc., uma vez que as formas anteriores de interação foram historicamente construídas em contextos diferentes de equilíbrio de forças.

Parafraseando um poema-música de Caetano Veloso, novas relações de força possibilitam construir e destruir coisas belas, sendo necessário algum tempo, muito erro e muita experiência para o desenvolvimento de novos equilíbrios. A nascente história das tecnologias da informação já nos mostra que poderosas formas de manipulação de dados tem alterado o conhecimento e a forma de realidades físicas, sociais, cognitivas, culturais, econômicas, possibilitando ações tanto benéficas como negativas.

Por exemplo, a globalização das economias, através de computadores e das tele-comunicações, ampliou oportunidades para novos negócios e empregos. Por outro lado, pela velocidade de tais transformações, os países em desenvolvimento, mais fracos, estão sendo vitimados pela incapacidade de competir com economias maduras e bem organizadas. Pela facilidade de transferência de grandes volumes de capitais, são vulnerais à especulação financeira internacional, como ficou patente com a recente crise das bolsas.

A educação ainda não sofreu muito tal impacto, uma vez que as tecnologias da informação não foram desenvolvidas para lidar com as realidades dos sistemas educacionais. Mas o uso relativamente incipiente das TI na educação nos permite entrever a repetição da história.

Voltando à análise das relações entre o real e o virtual em educação, façamos um esforço de reexame do óbvio, no espírito da Fenomenologia, sob a ótica de um hipotético professor de Geografia trabalhando com conceitos de espaço, inicialmente de forma descritiva, aparentemente mais simples. O que as tecnologias selecionam, amplificam, reduzem, no processo de conhecimento, pelo aprendiz, de representações de um determinado espaço e tempo?

Partiremos do pressuposto que, para um ensino de qualidade, é necessário constantemente tentar assumir a perspectiva do aprendiz.

Um ponto de referência do professor poderá ser a experiência do próprio espaço e das diferenças em relação ao aprendiz; dos espaços mais conhecidos de cada um e que servem de referências individuais. Essa deve ser a concepção fundamental de espaço, porque a mais natural, feita sem ajuda de instrumentos e no contexto da qual o ser humano evoluiu sua inteligência, inicialmente espaços limitados pela capacidade de mobilidade humana. A partir do seu espaço o aprendiz poderá imaginar e aprender sobre outros espaços, também conhecidos dele ou dela através de deslocamentos habituais, que fazem o cotidiano de cada um.

A partir do espaço real, poderemos imaginar experiências virtuais dos espaços fundamentais, que possam ser cotejadas com experiências físicas pessoais: um mapa de seu bairro ou de sua cidade, do país, das fotos (tradicionais ou digitalizadas na Internet), ou de fotos ou descrições verbais constantes de catálogos de agências de viagem ou de órgãos das cidades que exploram o turismo.

Noutro estágio, o conhecimento focado pela mídia, de espaços no tempo passado próximo. Com esta expressão me refiro aos tempos e espaços que estão na memória da comunidade, da coletividade, devido a acontecimentos extraordinários. Por exemplo, no tempo em que escrevo estas linhas (abril de 1998), os espaços da copa do mundo na França; do fenômeno meteorológico El Niño, relacionados com a seca e a fome no sertão nordestino. Tais espaços, num pequeno período de tempo (meses), tem sido mostrados e comentados repetidamente na televisão, em revistas e jornais, comentados entre pessoas. Alguns em todo o planeta, outros regionalmente. A indústria da propaganda de cada local tem feito promoções de viagens, camisas, bonés, diversas modas aplicadas a objetos do cotidiano, especialmente o vestuário.

A TV tem mostrado a França focando as cidades onde serão realizados os jogos. Sempre aparecem alguns marcos conhecidos (a Torre Eiffel, enorme nos anúncios). Os materiais gráficos de promoção do turismo são sempre a cores, em papel brilhante e não mostram poluição no ar nem nas ruas. Os prédios são limpos e as perspectivas são deformadas, pelas lentes das cameras, para realçar pontos turísticos, comerciais e históricos.

Os países do hemisfério Norte não são mostrados no ciclo das quatro estações. Em tais documentos geralmente é verão ou primavera, quando ocorre o maior fluxo de turistas. Excepcionalmente mostram-se cenas de inverno, quando ocorrem esportes desta estação. Neste caso mostram-se locais montanhosos. As exceções são os tempos quando ocorrem acontecimentos extraordinários, climáticos, naturais, artificiais – enchentes, tempestades de neve, furacões, acidentes aéreos.

Aqui cabe uma observação para o professor de Geografia: como ensinar virtualmente, mas de modo crítico, sobre tais lugares, se ele ou ela não tiver a experiência primeira, (in loco ou em locais parecidos), o conhecimento concreto de tais tempos e espaços? Caberão sempre reflexões sobre a natureza do espaço virtual, por mais que ele seja uma cópia do espaço real (ver Lévy, 1996). Ele poderá até ser muito útil, particularmente em atividades de análise, de síntese, de generalização, de re-exame do que for aprendido a partir de referências a espaços reais, sempre que possível. Não ocorrem no mesmo tempo (são artificiais, como nos diz Milton Campos (1997). Os instrumentos usados na sua construção, especialmente as cameras e os atores de edição, não se deslocam nas mesmas perspectivas tridimensionais, locais e ritmos do aprendiz e não capta as mudanças associadas de período e ritmo do dia ou noite. Em certo sentido, são comuns experiências virtuais de percepção ubíqua, algo hoje corriqueiro com a TV – como em uma imagem secionada mostrando duas pessoas ao telefone em lugares diferentes do planeta -, algo até pouco tempo domínio da ficção.

Tais reflexões devem ser feitas em relação não apenas à Geografia, mas praticamente em qualquer situação educacional que envolva o trabalho com virtualidades. Novamente, cabe enfatizar, tais situações de ensino exigirão sempre criatividade, experimentação, adaptação a cada situação nova, a cada grupo de alunos, a cada tipo de material, nos remetendo, inexoravelmente, à complexidade do ato de ensinar e de educar, que se tornam bem mais delicados com a presença das sofisticadas tecnologias da informação, como já ocorre noutras áreas como a medicina, o comércio e a indústria. Em vez de substituídos pela máquina, haverá necessidade de mestres bem mais preparados, mais sensíveis, cada vez mais cidadãos do mundo, mas principalmente cidadãos do bairro, da cultura, dos espaços e tempos do aluno ou aluna (comparar com Cysneiros, 1998).

Singularidade da Tecnologia e Inovação Conservadora
Embora estejamos longe do uso continuado das TI na maioria das disciplinas e das escolas públicas, pela primeira vez a tecnologia possibilita ampliação das capacidades do aluno, no trabalho com conteúdos escolares, transformando – selecionando, ampliando, reduzindo – a experiência pessoal e de grupo envolvendo textos, números, imagens, sons; acesso remoto à informação, comunicação, registro; relações entre professor e aluno. Isto de modo concomitante ou não com a ampliação de capacidades análogas do professor e de administradores de sistemas educacionais nos seus vários níveis. Utilizando a expressão de Papert (1985), neste sentido o computador pessoal é o Proteu das máquinas, ao assumir inúmeras formas e atender a inúmeros gostos, adaptando-se a condições e situações as mais diversas.

Que aspectos da experiência humana da escola e do ato de educar, nos conteúdos das várias disciplinas e séries merecem e podem ser transformados, ampliados ou reduzidos com a Informática e a Telemática? Quais as implicações das reduções que inexoravelmente ocorrerão, uma vez passado o caráter dramático inicial? Tais perguntas não são fáceis de responder, mas podem servir de guias genéricos para a reflexão e a experimentação em situações do cotidiano da escola, onde o professor e o administrador não dispõem do apoio confortável e protetor do conhecimento acumulado e da experiência pessoal ou institucional.

Perkins e outros (1995) usam a expressão “alvos de dificuldade” referindo-se a assuntos e tópicos que apresentam dificuldades de ensino e de aprendizagem, principalmente em matemática e em ciências, que podem representar formidáveis obstáculos para aprendizes e deixam intrigados muitos professores. Os autores citam como exemplos a geometria euclidiana, a distinção entre calor e temperatura, a semântica de frações (p.xv). Baseadas na boa pedagogia, no conhecimento de como os aprendizes compreendem tais problemas e na pesquisa com software específicos (e não no “efeito do computador”) as novas tecnologias podem contribuir para mudar tal situação.

Algumas projetos experimentais, desenvolvidos por escolas e redes públicas e por empresas particulares, apontam para possibilidades interessantes. Tem sido feitos estudos de temas específicos, por alunos e professores de um número maior ou menor de escolas, ligadas pela Internet, com o apoio e o acompanhamento de especialistas nos temas explorados. Em Recife, por exemplo, foi feito, durante todo um ano letivo, o estudo multidisciplinar do período holandês em Pernambuco, envolvendo escolas particulares e duas escolas públicas (ARS Consult, 1995). A rede Kidlink, ligando adolescentes e professores de todo o mundo, tem sido usada nas escolas para o estudo dos temas mais diversos (Lucena, 1997).

Mais de uma década de pesquisas em escolas e redes públicas brasileiras, do Rio Grande do Sul ao Pará, tem demonstrado que a atividade pedagógica com computadores pode contribuir para melhoria do ensino, atingindo outros aspectos da escola (e.g. Fagundes & Mosca, 1985; Axt, 1996). Em uma escola pública da cidade do Recife (Cysneiros & Urt, (1995) verificaram que, para determinados alunos e alunas, três horas semanais de atividades com computadores pode ter qualitativamente mais impacto para a aprendizagem de determinados conteúdos do que períodos de tempo maiores na situação precária de sala de aula comum. Se alunos e alunas das redes públicas ainda não tem uma escola semelhante àquela freqüentada pelos filhos e filhas da elite, pelo menos que tenham ambientes – neste caso com computadores – que proporcionem acesso a contextos educativos da melhor qualidade. Para alguns professores também foi constatado que a atividade exploratória com computadores, algo diferente do trabalho de sala de aula comum, pode apontar alternativas inovadoras (na pesquisa citada, professores de Português, História e Matemática).

Um aspecto que merece tratamento à parte é a possibilidade de inovação (ou modernização) conservadora de uma determinada atividade, pelo uso da tecnologia. Em nossas escolas públicas, carentes de recursos, uma ferramenta cara como o computador não deveria ser utilizada para realizar apenas tarefas que possam ser feitas, de modo satisfatório, por ferramentas mais simples (gravadores, retroprojetores, copiadoras, livros, até mesmo lápis e papel). Usos do computador que não mexem qualitativamente com a rotina da escola, do professor e do aluno, além de não explorarem os recursos únicos do computador, aparentam mudança substantivas, quando na realidade apenas muda-se a aparência.

Um exemplo corriqueiro é a simples digitação de trabalhos escolares convencionais, fora da sala de aula e sem a orientação do professor. Neste caso, a tecnologia pode até mesmo facilitar ou dissimular a cópia plagiadora de pedaços de enciclopédias, de livros de texto e de materiais gráficos escaneados, impressionando professores sem experiência de computadores, pelo aspecto gráfico esmerado dos trabalhos e pela extensão do texto (em alguns casos feita por outra pessoa, algo mais difícil de ocorrer quando o professor conhece a caligrafia do aprendiz).

Outro exemplo trivial é a confecção de faixas e cartazes por programas monótonos de computadores (antes, em formulário contínuo; atualmente, com impressoras coloridas que consomem caros cartuchos descartáveis de tinta). Tais materiais podem ser bem mais baratos, bonitos e criativos quando confeccionados com os velhos pincéis e papéis coloridos, por pessoas talentosas da escola (sem excluir, obviamente, o uso ocasional de tais programas gráficos).

Voltando ao ensino e a aprendizagem, os usos educativos das TI na última década – instrução assistida por computador (CAI), informações em rede, aprendizado à distância – foram embasados em métodos pedagógicos tradicionais: fluxo unidirecional de informações, tipicamente um professor transmitido pela TV ou computadores “passando” informações a alunas e alunos passivos (Byte, 1995).

Alguns professores experientes percebem que quase nada mudou, porém outros, talvez iludidos por um suposto efeito do computador, vêm vantagens nas novas formas de apresentar o conteúdo (aspecto dramático), reforçadas por concepções tradicionais de ensino e de aprendizagem (apesar de um discurso defendendo o Construtivismo ou outros conceitos da moda, pouco ou mal-compreendidos). Os alunos também cansam-se facilmente após o efeito da novidade.

Um excelente exemplo de modernização conservadora encontra-se em um belo livro de Asimov (1986), com uma série de cartões produzidos por um desenhista francês no final do século passado, imaginando o que seria a sociedade do ano dois mil. Um dos desenhos representa uma escola deste final de século, com alunos sentados em fileiras com fones de ouvido, recebendo passivamente o conteúdo de livros que estão sendo “moídos” por um ajudante do professor.

Outra distorção, associada ao conceito de modernização conservadora é o que Salomon & Perkins (1996) chamam de Justificativa (rationale) do Monte Everest (“Porque está lá”), ou seja, a tecnologia está em todo canto e é preciso usá-la no maior número possível de disciplinas e de conteúdos. Assim, observamos a tendência a se dar aulas expositivas com projetores de vídeo, onde a tecnologia não acrescenta nada além de cores, letras bonitas e outros aspectos epidérmicos, que podem até distrair a audiência, mas não enriquecem qualitativamente a exposição.

Uma vez passado o efeito dramático dos primeiros anos do uso de computadores na educação, duas coisas são amplamente reconhecidas na comunidade acadêmica: primeiro, computadores em si não afetam muito a aprendizagem. A presença pura e simples da tecnologia na escola, mesmo com bons software, não estimula os professores a repensarem seus modos de ensinar nem os alunos a adotarem novos modos de aprender. Como ocorre em outras áreas da atividade humana, professores e alunos precisam aprender a tirar vantagens das TI. Costumo dizer que um bisturi a laser não transforma o médico em um bom cirurgião, embora um bom cirurgião possa fazer muito mais se dispuser da melhor tecnologia médica, em contextos apropriados.

Segundo, o ambiente de aprendizagem como um todo, com ou sem computadores, é o fator mais importante. Neste sentido, é mais relevante nossa compreensão da cognição humana, daquilo que é necessário para se aprender algo por determinados sujeitos em determinados contextos. O importante não é o que a tecnologia pode acrescentar, mas o que as pessoas podem fazer com ou sem tecnologias.

Não há sentido em se colocar tecnologia de ponta na escola em um processo de inovação conservadora, sem a preparação e o envolvimento da escola como um todo. Isto parece ter ocorrido em países onde órgãos centrais resolveram fazer implantações apressadas de projetos grandiosos. Analogamente, tapetes ou condicionadores de ar colocados em celas não mudarão a natureza das prisões.

História da Inovação Tecnológica na Educação
Mesmo no primeiro mundo o uso pedagógico de computadores parece não ser algo generalizado, onde a integração com o padrão curricular é pobre. Akker e outros (1992) relatam que em vários países do Norte o número de computadores nas escolas cresceu muito já no início da década de noventa, mas eram poucos os professores usuários regulares, sendo comum salas cheias de computadores ociosos.

Predominavam software educativos que sofrem da síndrome do teste escolar: estímulo à memorização de conceitos e à prática pouco significativa de algoritmos. Tais programas basicamente exigem que o aluno aperte algumas teclas para “virar páginas” de livros eletrônicos. São comuns os programas tipo exercício-e-prática, onde o estudante assume uma atitude submissa frente à máquina, tendo apenas que fornecer respostas simples. Deu-se pouca atenção a um conjunto amplo de fatores, essenciais quando se introduz mudanças em ambientes educacionais, tratadas por Akker e colaboradores em quatro categorias:

A. Contexto nacional – Legislação e regulamentações, sistema de formulação de políticas e de tomada de decisões em assuntos educacionais, recursos, instalações e infra-estrutura disponíveis; valores; atitudes de políticos sobre a inovação. características da escola (como organização); suporte externo e características da inovação.

B. A Escola como Organização Social – Experiências com inovações anteriores, papel do diretor, métodos de tomada de decisões, recursos materiais, financeiros e humanos, etc.

C. Suporte externo – Capacitação inicial de pessoal, em serviço, continuada; contatos com especialistas e colegas de outras escolas.

Os professores iniciantes no uso das TI geralmente precisam de muito suporte para vencer os obstáculos iniciais de insegurança, incerteza, preocupações quanto a mudanças na relações entre professor e alunos e sobre os resultados da inovação, devido à “quebra” de relações e rotinas tradicionais (Sandholtz et alii, 1997).

D. Características da Inovação – Investimento inicial e continuado em hardware, desenvolvimento de software e de pesquisa; suporte técnico.

Para entendermos tal situação é necessário uma breve incursão na história da tecnologia educacional. Teodoro (1992), coloca que as tentativas de introdução de artefatos tecnológicos no ensino (regular ou supletivo) tem sido uma história de insucessos. Vários fatores são apontados como responsáveis pela não absorção de tecnologias educativas, dentre os quais saliento a ênfase na própria tecnologia e a falta de sistemas de apoio.

As inovações tecnológicas em educação tem sido historicamente consideradas como tecnologias de substituição (incluindo a substituição do professor), através de projetos originados fora da escola. O rádio e o filme (à partir da década de 1920) e a televisão (na década de 1960 e depois), minimizavam a figura do professor e a organização social da escola. Havia desconsideração pela heterogeneidade cultural de regiões e comunidades diferentes e pouca autonomia da escola como unidade social, com o pressuposto de certa uniformidade lingüística na comunicação professor-aluno, disseminando de modo uniforme um mesmo conteúdo.

As inovações tiveram uma trajetória cíclica, sumariada por Cuban (1986) em quatro fases: geravam elevadas expectativas, eram acompanhadas de um discurso sobre a necessidade de mudanças na educação, estabeleciam-se políticas públicas de introdução, resultando, após certo tempo, em uso limitado.

Aspectos estruturais, econômicos e culturais também não devem ser esquecidos. A história mostra que o rádio e a televisão foram apressadamente exportados de países do Norte para países satélites. Além dos grandes investimentos necessários para que houvesse continuidade e daquelas tecnologias serem pouco desenvolvidas para uso na educação, contextos culturais diferentes e a inadequação das máquinas burocráticas estatais tornavam praticamente impossível a absorção permanente de qualquer tecnologia pelas escolas públicas de países em desenvolvimento.

Alguns elementos da história delineada por Cuban tem estado presentes na história da informática educativa. Vejamos brevemente cada um deles.

1. Elevadas expectativas. No Brasil, os usos das TI na educação foram estimulados pelo contexto da política de reserva de mercado em informática, na década de oitenta (Almeida, 1987).

Desde o início das tentativas de se introduzir computadores na educação, tem sido comuns os discursos que o computador fará maravilhas na escola, existindo uma certa ideologia associada ao seu uso, disseminada por autores e conferencistas e pelos meios de comunicação. Por exemplo, Alfred Bork, no começo dos anos oitenta, nos Estados Unidos, afirmava que “… estamos no início de uma grande revolução na educação; uma revolução sem paralelos deste a invenção da imprensa. O computador será o instrumento desta revolução. Em torno do ano 2000 a principal maneira de aprender, em todos os níveis, e praticamente em todas as áreas de conteúdo será através do uso interativo de computadores” (1980, p.53). No mesmo ano, Papert lançava seu livro Mindstorms, com o mesmo discurso otimista, defendendo a idéia de que o domínio de uma linguagem de programação por crianças iria mudar o modo de resolver problemas e de pensar sobre o próprio pensamento.

A enorme difusão do Mindstorms certamente deveu-se, em larga medida, à novidade da tecnologia na educação, associada a uma poderosa e flexível linguagem de programação acessível a crianças (aspecto dramático). Seymour Papert também é um bom escritor, tendo conseguido traduzir para o grande público idéias normalmente restritas aos círculos acadêmicas. Várias publicações da época, tanto de Informática como de Educação, traziam o mesmo discurso defendido por Papert.

Ainda hoje alguns entusiasmados defensores da informática educativa parecem esquecer que Educação será sempre o substantivo e Informática apenas um dos seus adjetivos, tornando-se transparente, um elemento de fundo, que não aparece muito quando funciona bem.

Após as primeiras pesquisas independentes terem indicado que as previsões do Mindstorms eram otimistas demais (e.g. Pea & Kurland, 1984), o próprio Papert (1985, p.54) começou a dar outro tom aos seus escritos, sugerindo que se evitasse o “tecnocentrismo” , ou seja, a supervalorização do computador e dos seus efeitos, particularmente por pessoas que não aprenderam a lidar com tais máquinas (emergindo em perguntas como: “…Qual o efeito do computador na inteligência do aluno?” ). Segundo ele, com o uso de tais instrumentos as culturas poderiam mudar e com elas as maneiras das pessoas (no nosso caso educadores e estudantes) aprenderem e pensar.

A ênfase na tecnologia também é estimulada pela linguagem da informática e por alguns informatas, que encantados com a força e a complexidade das novas máquinas (efeito dramático, sedutor) e certamente carentes de uma perspectiva epistemológica mais densa, chegaram a afirmar que computadores tem crenças e que algum dia terão sentimentos, contribuindo para manter elevado o nível de expectativas em relação às TI. Neil Postman (1994, cap.7) relata um comentário feito pelo inventor do termo “inteligência artificial”, quando afirmou que até máquinas simples como termostatos tem crenças (por ex. “aqui está quente”) e agem em conformidade. Postman salienta que neste caso há uma redefinição da palavra “crença”, significando apenas o que alguém (ou algo) faz, rejeitando-se a concepção de que estados mentais internos (p.ex. memórias, conhecimentos, emoções, atitudes) são o fundamento das crenças humanas.

2. Retórica da necessidade de inovação, afirmando que a escola está obsoleta. Um bom exemplo desta retórica é uma anedota que circula nos meios educacionais e que inicia um dos livros de Seymour Papert (1994), repetida com freqüência por pessoas que comentam a nova tecnologia educacional. Em linhas gerais, a estória diz que se médicos e professores do século dezenove nos visitassem hoje, teriam reações bem diferentes. Os primeiros não reconheceriam as atuais salas de cirurgia, devido ao avanço da medicina, mas os professores se sentiriam em casa se entrassem numa sala de aula cem anos depois.

Embora esta estorieta tenha um lado salutar, ela é inadequada em vários aspectos, especialmente se aplicada ao nosso país. Ignora coisas mais importantes na escola, como a figura modelo, o domínio do conteúdo e a sabedoria do professor; o diálogo socrático professor-aluno, as relações família-escola, coisas que tem pouca relação com inovações tecnológicas.

Se os professores viajantes no tempo entrassem numa boa escola notariam muitas mudanças, como por exemplo relações mais espontâneas entre mestres e aprendizes, ausência de castigos físicos, alunos e alunas na mesma sala e sem fardamento, recintos com ar condicionado, quadro verde ou de pincel, carteiras individuais, conteúdos novos em várias disciplinas, uma didática melhor, antenas parabólicas nos tetos, salas com vídeo e alguns computadores, a presença de negros e de filhos de trabalhadores, etc. Mesmo com todas as dificuldades, pesquisadores em Informática Educativa reconhecem que a sala de aula, com seus professores, livros textos, quadro e giz, currículo e organização escolar, dirigida para a educação de populações – constitui uma das invenções fundamentais da civilização contemporânea (Perkins et al., 1995).

Por outro lado, apesar de toda parafernália curativa, a medicina moderna não conseguiu erradicar as doenças endêmicas que afligem a maior parte da população do planeta. Erradicou o médico de família, que conhecia pessoalmente seus clientes, curando-os muitas vezes com algumas drogas simples e palavras de prevenção. Finalmente, se os médicos do século passado entrassem em um típico hospital público brasileiro, certamente notariam que houve mudança para pior.

3. Políticas de Introdução. Os anos oitenta foram a década de políticas nacionais de Informática Educativa nos países do primeiro mundo. O Brasil também estabeleceu políticas públicas federais, estaduais e municipais (SEI, 1982; MEC, 1989; Menezes, 1992; Moraes, 1997; Oliveira, 1997).

Em 1981 e 1982, em Brasília e em Salvador, o MEC, a SEI (antiga Secretaria Especial de Informática) e o CNPq patrocinaram a realização de dois seminários nacionais, reunindo especialistas em educação e em informática, que forneceram subsídios para as primeiras políticas públicas na área. Daqueles seminários nasceu o Projeto EDUCOM, previsto para cinco anos (1983 a 1988), implementado em cinco universidades brasileiras (UFPE, UFMG, UFRJ, UNICAMP e UFRGS) escolhidas em regiões diferentes, entre as 26 instituições que se candidataram. Os centros-piloto do EDUCOM foram projetos experimentais, interdisciplinares, reunindo pesquisadores em Informática, Educação e áreas afins, cujo objetivo principal era a produção de materiais pedagógicos, validados pela pesquisa em escolas públicas de segundo grau, como também a formação de professores. Em retrospectiva, constatamos que pouco material foi produzido nos centros experimentais. A grande contribuição do EDUCOM foi a formação de recursos humanos, tanto professores de primeiro e segundo graus nas redes públicas, como na própria universidade, na época bolsistas de pesquisa e alunos de cursos de pós-graduação que fizeram parte das equipes.

Hoje os ex-bolsistas do EDUCOM são pesquisadores formados em Educação, Psicologia, Informática, etc., muitos deles com dissertações e teses de mestrado e doutorado explorando o uso das novas tecnologias. Estão ocupando postos nas universidades, contribuindo, como professores e pesquisadores experientes, para a nova fase da Informática Educativa no país e mesmo a nível internacional.

Por outro lado, a experiência parece mostrar que as inovações educacionais, quando implementadas por autoridades, de cima para baixo, sem certa autonomia e envolvimento das escolas, são prontamente incorporadas por administradores e alguns professores, porém funcionam somente enquanto houver apoio oficial.

4. Uso Limitado. No primeiro mundo o ciclo já foi fechado, com avaliações baseadas em estudos independentes. As pesquisas indicam que computadores contribuem para a aprendizagem (não tanto quanto se previa), que são mais importantes em algumas disciplinas e séries (matemática e língua-mãe sempre aparecem), que existem limiares mínimos de uso continuado para que os efeitos possam ser detectados e que no conjunto o papel do professor da disciplina é fundamental (Watson, 1993).

No Brasil, houve um arrefecimento após quase uma década de políticas federais instáveis, com o impulso retomado pelo atual governo (Mec/Seed, 1996). Em algumas redes educacionais, foram criados centros de informática, que se burocratizaram e foram absorvidos sem atingir as escolas (com as exceções de praxe).

É importante sublinhar que as pesquisas e teorias feitas no primeiro mundo, embora nos ensinem algumas lições, nem sempre são bons guias para a situação de nossa escola pública, com necessidades, história, características culturais, econômicas e sociais bem diversas. Devemos trabalhar para que a história de insucessos não se repita com a introdução de computadores nas escolas públicas brasileiras. Lutemos para que as novas TI venham a ter maior impacto nas nossas escolas do que o ocorrido nos países ricos, onde o acesso da população à educação de melhor qualidade e às tecnologias de modo geral é incomparavelmente maior.

Mesmo no contexto das escolas públicas, vejo a possibilidade de acentuação de contrastes, com a introdução de computadores. Basta citar que no atual programa federal (MEC/Seed 1996), segundo critérios acordados entre os secretários estaduais de educação (média do percentual de escolas de 1o e 2o graus do estado com mais de 150 alunos e do percentual de matrículas), 53,6 % dos computadores, para o biênio 1997-1998, serão alocados aos sete estados da regiões sul e sudeste, onde muitas escolas já possuem computadores e professores capacitados para usá-los, algo raro em escolas públicas dos estados menos desenvolvidos do país.

É comum, nos meios educacionais acadêmicos e administrativos, atitudes de indiferença ou de minimização do potencial das TI para educação, certamente pela história acima mencionada, mas também pelo desconhecimento e por padrões de pensamento (mindsets) firmemente estabelecidos. Em vez de rejeitadas ou ignoradas, as novas tecnologias da informação podem ser experimentadas, estudadas, modificadas e assimiladas às várias áreas do saber educacional, em situações específicas.

Atividade Mental na Escola e no Trabalho
Diferentemente das tecnologias do passado, as novas tecnologias baseadas na Informática e na Telemática possibilitam o desenvolvimento de novas relações entre a atividade intelectual que ocorre na escola e no trabalho.

Neste particular, tomamos como pano de fundo o pensamento de Lauren Resnick (1987), que aponta quatro características amplas da atividade mental fora da escola, contrastando-as com o trabalho escolar típico:

1. A forma dominante de aprendizagem escolar é o desempenho individual. Em contraste, o trabalho, a vida pessoal e o lazer ocorrem em contextos sociais onde a habilidade de cada pessoa para funcionar com êxito depende do modo como se entrelaçam os desempenhos mentais e físicos de várias pessoas.

O uso de computadores na educação pode diminuir este contraste, através da atividade intelectual socializada, mediada pela tecnologia. Os muros da escola podem ser eletronicamente transpostos ao se trabalhar com problemas e ferramentas de software da vida fora da escola.

2. Na escola, atividades de pensamento puro são mais recompensadas; ou seja, aquelas que os indivíduos podem fazer sem o suporte externo de livros e anotações, calculadoras ou outros instrumentos. Em contraste, as atividades mentais fora da escola, na sua maioria, são realizadas com a ajuda de ferramentas (máquinas, tabelas, etc.); a atividade cognitiva resultante é modelada por e dependente das ferramentas disponíveis.

Com as novas tecnologias, é possível não apenas usar o suporte de elementos externos e de “andaimes cognitivos” os mais diversos, como também a avaliação em processo do que estiver sendo aprendido, possibilitada pela capacidade dos computadores para manter registros e processar informações.

3. Manipulação de símbolos na escola, versus raciocínio contextualizado fora da escola, onde as ações são intimamente conectadas com objetos e eventos. As pessoas freqüentemente usam os objetos e eventos diretamente em seus raciocínios (por exemplo, o cálculo de preços por vendedores de feira, manipulando conjuntos de frutas ou verduras, tais como contar um cento com conjuntos de cinco laranjas). As atividades mentais, assim, estão ancoradas na lógica de situações imediatas. Em contraste, a aprendizagem escolar torna-se uma questão de memorizar regras de manipulação de símbolos e de dizer ou escrever coisas de acordo com regras (e com as preferências dos professores), com pouca ou nenhuma compreensão e sem auto-monitoração, levando a erros sistemáticos.

O uso pedagógico de ferramentas universais de software para manipulação da escrita, da matemática, de imagens e sons que sirvam como âncoras virtuais de situações da vida, pode ser feito de modo mais próximo da atividade mental que ocorre em ambientes naturais.

Aprendizagem generalizada na escola, versus competências específicas fora. A escola procura ensinar habilidades gerais e princípios teóricos. Fora da escola as pessoas desenvolvem competências específicas a situações.
Entre outras possibilidades, as ferramentas computacionais poderão ser elementos para a coleta contínua de informações sobre situações da vida real (no ensino de ciências, por exemplo), possibilitando a contextualização da aprendizagem através do trabalho com problemas da realidade e do interesse dos alunos.

É importante salientar que, em si, as tecnologias da informática não conduzem naturalmente às ligações brevemente apontadas acima. Isto exigirá trabalho cooperativo do professor, desenvolvimento de formas de uso de ferramentas que não são fáceis e que demandam tempo, trabalho em equipe, experimentação.

Internet e Educação
A Internet começou , nos anos sessenta, como uma pequena rede de um projeto militar norte-americano. Só nos anos oitenta, com a evolução da tecnologia, expandiu-se rapidamente, quando passou a ser usada pelo meios acadêmicos daquele país e logo depois da Europa e de outras partes do mundo. Só no início dos anos noventa é que começou a ser usada de modo generalizado por todos os setores da sociedade.

A mídia brasileira, seguindo o restante do mundo, vem explorando muito a Internet, caracterizada como a rede das redes mundiais de computadores. O discurso comum inclui expressões como democratização da informação, aldeia global, acesso a bibliotecas em qualquer parte do mundo. Tais expressões, meio obscuras para quem não lida com computadores, são acompanhadas por números impressionantes: dezenas de milhões de computadores interligados, transmissão de milhões de bits por segundo, outros tantos milhões e bilhões de dólares em jogo. Os cadernos semanais de Informática dos grandes jornais dedicam a maior parte do espaço a informações sobre a rede. Também tem sido explorado o lado sujo da rede, como pornografia, uso pelo crime organizado e a preocupação de controlar seu acesso por crianças.

Franco coloca (1997, cap. 2) que a Internet é um emaranhado de sistemas e serviços, alguns derivados de estruturas tradicionais, como correios, bibliotecas, bancos. Outros são novos, devido a características intrínsecas à mídia, salientando-se a virtualidade, a interatividade e a assincronia, tendo transformado a velocidade e as formas de comunicação entre indivíduos, grupos, instituições. Tais características possibilitaram a concretização de idéias já existentes, particularmente o hipertexto. A vulgarização da Internet no Brasil foi pontuada pelo primeiro livro do jornalista Sérgio Charlab (199 ) e pelo surgimento de revistas mensais especializadas. Também neste caso – como nas outras áreas da Informática – desenvolveu-se um relacionamento sólido entre as mídias impressa e eletrônica.

Passado o efeito dramático (que deverá ainda demorar um bom tempo), alguns aspectos da Internet, acredito, sobressairão e se estabilizarão, como se sobressaem os detalhes de uma paisagem ao passar a tempestade.

Um dos elementos repetidamente enfatizados pela mídia é a possibilidade de acesso instantâneo a informações (texto, números, imagens, cores, sons) em qualquer parte do mundo. Para a pesquisa e leitura inquiridora, crítica, abrem-se vastos horizontes; novamente ocorrerão continuidades e diferenças. Em qualquer escola, em casa ou noutro espaço de estudo e pesquisa, o aprendiz poderá acessar um documento mestre e consultar várias de suas fontes, de certo modo como se estivesse pessoalmente e de modo permanente, nas melhores bibliotecas do planeta. Além disso, outras opções estarão ao seu alcance, como consultar diretamente autores, consultar atualizações de textos, comentar com colegas, imprimir, enviar suas observações, decidir pela veracidade e confiabilidade do que estiver “consumindo.”

De certo modo fora do campo educacional, existem complicadores pelas possibilidades do aprendiz distrair-se com jogos, desviar-se por caminhos atrativos, ouvir música, ler jornais, realizar compras, etc., que não podem ser ignorados pela escola..

Esse aspecto poderá tornar-se mais importante para quem estiver em locais ou países pobres de recursos, uma situação típica de nossas escolas públicas e mesmo da maioria de nossas universidades. Essa leitura exigirá maior capacidade de crítica, tanto na escolha do que ler como na forma de leitura (devido à multiplicidade de possibilidades e riqueza do material exposto), como pela mutação constante a que está sujeita a informação eletrônica.

Se acessarmos algum documento científico, veremos que sua forma mudou pouco: ainda são muito parecidos com os documentos reais, com a diferença da forma hipertextual virtual e de referências bibliográficas a endereços eletrônicos e não apenas a textos nas formas clássicas de livros e revistas. Mesmo a forma hipertextual é, essencialmente, muito semelhante ao texto científico convencional, como este documento que você está lendo (entremeado de citações, figuras, notas de rodapé).

O professor deverá tentar ensinar ao aprendiz novas formas de leitura, que no fundo são as de sempre: ler nas entrelinhas, não se impressionando mais com a aparência e a forma; questionar afirmações; confirmar ou questionar fontes e a veracidade ou qualidade de citações, da história, da informação.

Tal atitude já ocorre nas universidades e mesmo nas escolas de países acostumados com tais tecnologias, mas quase impossível hoje de se fazer em larga escala em um país como o Brasil, com alunos e professores pouco conhecedores do meio e deslumbrados com os computadores e com a multiplicidade de opções da Internet.

Isso também acarretará maior responsabilidade, além da maior liberdade ao aluno. Também maior possibilidade de expressão individual e o desenvolvimento de novas habilidades de busca e de troca, novas convenções de catalogação, de difusão, para que possamos reconhecer e decidir o mais rapidamente possível o que é confiável, o que é de boa qualidade, o autêntico do lixo, o brilho do ouro verdadeiro daquele da imitação. Nesse sentido ainda estamos começando. Se entrarmos em qualquer endereço da Internet, veremos que é muito comum a ênfase nos aspectos de aparência e no lixo informacional, sem a colocação de datas, de fontes, de créditos para fotos e outros materiais, sem a história do documento.

Neste sentido, está havendo ênfase na informação em bits produzida sob o estímulo da emoção, instantaneamente, sem os cuidados e os tempos que normalmente acompanham a informação em átomos. Tal tipo de material tem um lado salutar, pois permite, além de maior acesso e menos custo material, maior registro de boa parte da produção que não se materializava antes do surgimento do computador portátil e de Internet, pela falta de suporte, pela falta de interlocutores (talvez a razão mais forte para se produzir algo), pela ausência ou dificuldade de meios adequados de expressão ou de registro, ou seja, além do texto, o gráfico, a foto, o som, a combinação imediata de tudo isso, a flexibilidade retroativa e proativa no manejo materializado virtualmente de tudo isso, com maior número de diálogos ou reconstruções possibilitadas pela reação de outrem e pelo exercício anterior, pela memória do que foi produzido, em um efeito já conhecido de escritores ou artistas experimentados acostumados a dialogar com públicos gerais ou especializados que os estimulam a produzir cada vez mais, a refazer, a tentar novas abordagens.

Nesse sentido, sim, poderá haver profundas transformações da escola, exigindo mais do professor, criando dilemas em relação aos conteúdos que deverão ser trabalhados para se atingir objetivos que, na maior parte (como ocorreu em outros setores) permanecerão os mesmos, ou seja, formar o indivíduo para se inserir de modo responsável no seu mundo, conhecendo a produção passada da humanidade e do seu grupo, agindo segundo valores universais e locais, levando adiante a identidade cultural do seu grupo social nas várias instâncias, tornando-se mais humano, lutando por utopias, etc. Neste sentido também os Sócrates da humanidade, nas suas essências, permanecerão e talvez se tornem ainda mais conhecidos e mais valorizados. Será a repetição do que sempre ocorreu e ocorrerá: a continuidade e a mudança.

Continuidade, como dissemos antes, porque os valores permanecerão, os objetos como já são conhecidos continuarão a existir, ligando o passado ao presente e ao futuro. Objetos, nunca é demais enfatizar, em tempos e espaços reais e cada vez mais em tempos e espaços virtuais.

Mudança, pelo conhecimento de novos aspectos do objeto até então desconhecidos por todos ou por uma grande fatia da humanidade, que antes eram privilégio de alguns, como as bibliotecas de átomos restritas a uma pequena elite religiosa da idade média (como nos mostra Humberto Eco, em o Nome da Rosa).

De acordo com Lévy, as novas tecnologias da comunicação colocam o homem diante de si mesmo, a nível planetário. Diríamos que sim, mas não somente isso: poderá colocá-lo cada vez mais diante de sua própria cultura, do outro próximo (espacial e culturalmente), como já propiciam outras mídias convencionais. Uma pequena parte dos membros de uma cultura local tenderão a ausentar-se virtualmente (como ocorre fisicamente através de migrações), mas a maioria é estável, quando a cultura é viva, em condições favoráveis de continuidade. Permanecem os valores, as perspectivas culturais locais, as identidades.

Se não fosse assim, ocorreria a desumanização, que não acredito que ocorra apenas por causa das novas TI. Vejamos, noutro plano, a tendência hoje à fuga das grandes cidades, em direção ao campo e a pequenas comunidades, mais em sintonia com o gregarismo humano desenvolvido desde os primórdios de sua evolução. Estou considerando a metáfora espacial das grandes cidades como um bom elemento de previsão do que poderá ser a megalópole planetária virtual hoje conhecida como Internet: solidão, apesar da presença maciça de pessoas em locais comuns como praças, metrôs, shows, aglomerações espontâneas.

Em tais locais, ainda o que se salienta são as pequenas comunidades desenvolvidas em bairros, nas organizações relativamente pequenas que constituem o todo, tais como igrejas, estabelecimentos comerciais, associações esportivas, escolas, etc. Tal como já começa a ocorrer na Internet, as grandes cidades são o ambiente natural para o desenvolvimento da violência, da banalização da vida humana, das patologias sociais, algo já estudado pelos cientistas sociais.

Parte 2:
Parte 2 – Avançar…