Pedagogia

A escola que eu queria para meu filho

Para não cair no discurso gelado do técnico, ou na inflamação vazia do ufanismo pedagógico resolvi, por dois motivos, partilhar desta oportunidade de colocar neste Fórum o pensamento de cerca de 130 mães.

Em primeiro lugar, parti da crença de que tanto na educação, como em outras áreas, as soluções não estão nos gabinetes.

Em segundo lugar, porque minha vivência de educadora, procuro exercer uma reflexão crítica sobre a prática, pois temos no contexto concreto o teórico no lugar da ação.

Com freqüência, nós, educadores, caímos no paternalismo tecnicista, na ingenuidade pedagógica ou até mesmo no niilismo.

E muitos dos sonhos acordados que tivemos conjunta,mente com os pais se transformaram em ilusões.

As mães envolvidas passam agora a acreditar e a nutrir o desejo pelas alterações concretas e imediatas.

Relacionadas as reivindicações que a questão suscitou, vemos, de um lado, pontos que podem ser considerados extra-escola; outros, profundamente pedagógicos. Se colocarmos em uma balança, só podem estar do mesmo lado, pois tanto fatores exógenos quanto endógenos interferem na qualidade de ensino.

Eis, na lista do que queremos, um programa concreto apontado pelas mães. São “pequenos-grandes” problemas que se colocam como necessários e possíveis de mexer hoje, o que contribui na construção da escola que sonhamos.

Queremos:
– professor único durante o ano.

– uma representante do povo na Delegacia de Ensino¹.

– merenda escolar digna, com horários de alimentação do brasileiro.

– escolas de 2ª graus² nos bairros.

– melhorar a qualidade dos professores.

– mais deveres de casa.

– férias mais curtas.

– mais tempo com a criança na escola e mais empenho dos professores.

– pré-escola e creches nos bairros.

– redução da idade para o ingresso na 1ª série.

– segurança na escola para evitar a fuga de alunos em aulas vagas.

– que o ensino seja melhorado, pois antigamente eram quatro anos para a alfabetização e agora com oito não se consegue nada com as crianças.

– que haja aulas de educação artística, desenho, música e teatro para as crianças.

– sinalização das ruas frente às escolas.

– quadras de esporte para as aulas de educação física. Uso destas dependências nos fins de semana.

– recreação e merenda nas férias.

incentivo aos alunos de recuperação e não discriminação dos professores que dizem, já no mês de junho: “Este não vai passar, não tem chance”.

– que o professor não seja o dono da nota do aluno; não pode ir abaixando nota só porque o aluno não é comportadinho, bonzinho para ele. O aluno tem que saber o que sabe e o que não sabe.

– liberação de verbas para as escolas para não precisar a comunidade fazer rifas, festas e pagar a manutenção das escolas.

– explicações e esclarecimentos, maiores informações sobre: “Conselho de Escola, Centro Cívico, Conselho Municipal de Educação, Documento nº 01, Jornal Educação democrática”.

– educação dos professores para que não maltratem os alunos com gritos, perseguições, etc.

– que volte a nota nos cadernos como estímulo aos alunos.

– aulas de reforço fora do horário de aula.

– que não persigam os filhos das mães que querem participar das escolas.

Pasmem os educadores da agudeza e severidade singela das mães dos bairros de periferia.

As reflexões sobre cada um dos pontos levantados à elaboração de um tratado. No entanto, a observação, por mais superficial que pareça, aponta para a raiz dos problemas como tendo origem no modelo econômico levado à cabo nos últimos anos e tendo na política educacional um dos seus realizadores.

A paupelização do assalariado, a falta de assistência básica ma infra-estrutura material dos bairros de periferia, aliados à ausência de investimentos na infra-estrutura humana, na qualificação profissional e nas condições de vida do professorado, se constitui num caldo de cultura de onde brota, com expressão de espanto, a interrogação de uma mãe:

– Por que o ensino de um bairro pobre é pior do que um ensino de um bairro ou cidade com maior poder aquisitivo?

E é por isso então que tudo passa a ser problema da educação. Alimentação, lazer, segurança, discriminação, são problemas que vêm interferindo diretamente no ensino.

Qual a participação da comunidade para que ela melhore?

As mães que participam deste trabalho podem ser divididas em dois grupos. Em um deles as mães de um bairro onde a escola se fechou à participação e elas foram obrigadas a se organizar fora e apesar da escola. Em outro, estão as mães de um bairro onde a escola e comunidade possuem um bom relacionamento.

Todas possuem a vontade de participar nas decisões dos problemas.

Os dois exemplos de grupos demonstram que a mãe não é um bicho-papão comedor de professores e diretor. Não podem ser tratadas como persona non grata.

A Escola Pública existe para servir à população e não o contrário. Antes de tudo, cada mãe é um contribuinte e os pais são, de fato seus reais donos.

Na realidade, a esmagadora maioria da comunidade não participa das decisões da escola.

Por isso, estão as mães impedidas de sonhar! Como sonhar de barriga vazia? Como sonhar sem alegria, se não há lazer?

O destino do filho é idêntico ao do pai: sofrer férias ao invés de gozar férias; ser coagido ao invés de ser estimulado.

Que a escola seja veículo da ludicidade e da auto-satisfação, condição basilar para a a aprendizagem. E chegará o dia em que o sonho da mãe se realizará: a criança irá à escola por prazer e não por obrigação.

O sonho real da comunidade é a certeza de que suas reivindicações são possíveis de satisfazer! E, se algo é impraticável hoje, já e agora, “a melhor maneira de fazer amanhã o impossível de hoje é realizar hoje o possível de hoje”. E aí as “pequenas-grandes” reivindicações.

Para finalizar, como se inserem o Supervisor de Ensino, o Diretor, o Professor e demais educadores, neste processo?

Quando um educador, em uma escola qualquer, vai junto com a comunidade organizada reivindicar luz, ônibus, asfalto, etc., está atuando para aliviar o peso na balança; assim também quando abre a escola e discute a busca de soluções para as dificuldades do aprendizado; ou quando um Supervisor de Ensino reúne seu setor e reflete com os diretores de escola a integração com a comunidade. Vemos então que a síntese se dá no engajamento nos movimentos populares, onde problemas endógenos e exógenos fundem-se, a um só tempo, na busca de um ensino melhor.

O divisor de águas que nos impõe a realidade é: de uma lado, estão uns poucos ricos nadando em regalias; e de outro, a esmagadora maioria afogando-se na miséria. O profissional em educação não escapa de ter que optar de que lado ele está de cabeça e de coração. Não dá mais para o educador ficar escondido, por detrás da neutralidade. Isto é omissão e omissão leva a manutenção do status quo. Diante da vítima que morre, sonegar socorro é condená-la á morte.

Urge conclamar e propor o engajamento nas lutas levadas pelas entidades de classe, nos movimentos populares. Desta forma se mede o bom profissional. Desta forma o educador é um eterno educador.

E chegará o dia que o sonho da mãe se realizará: a criança irá à escola por prazer e não por obrigação!


* Marinice da Silva Fortunato, Supervisora de Ensino. Depoimento apresentado no Fórum de Educação do Estado de São Paulo, promovido pela Secretaria de Educação, em agosto de 1983.
¹ Hoje, no Estado do Rio Grande do Sul chama-se Coordenadorias Regionais de Educação..
² De acordo com a Lei de Diretrizes de Bases da Educação nacional (LDBEN), Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, denomina-se Ensino Médio.

Fonte:
FÓRUM DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Marinice da Silva Fortunato. In : PILETTI, Nelson. Estrutura e funcionamento do ensino de 1º grau. 18.ed. São Paulo : Ática, 1994. 176p. Cap.4. p.51-4

http://cledir.hpg.ig.com.br/novosite/estrutura04.htm