Pedagogia

Uma concepção de informática na educação | Parte2

Culturas de Informática na Educação
A existência de uma cultura de Informática numa escola significa, em linhas gerais, a utilização freqüente dos recursos informáticos por uma parcela significativa das pessoas que compõem os vários grupos da escola e do sistema escolar, idealmente interagindo com a comunidade fora da escola.

Alguns recursos poderão ser usados por todos da escola, implicando na democratização da tecnologia. O recurso mais compartilhado tem sido o processador de textos e em menor escala a planilha eletrônica. Outro recurso comum a todos deverá ser a comunicação eletrônica, dentro e fora da escola (redes locais ligadas à Internet). No entanto, estes usos não são suficientes. É essencial a formação e o desenvolvimento de culturas específicas de uso, que chamo de microculturas (MCC).

Cada MCC pode ser formada por professores de áreas específicas, que possuem formação e problemas pedagógicos comuns; estratégias compartilhadas de avaliação, de solução de problemas, socialização entre pares e histórias de vida semelhantes. Há a possibilidade de incluir, em tais grupos, professores de outras escolas e instituições (especialmente pesquisadores e alunos de pós-graduação em trabalho de tese) com interesses comuns. Além de professores, seria interessante a formação de MCCs de especialistas (administradores, supervisores, pessoal técnico).

A formação de grupos de interesse pode ser um elemento significativo para a assimilação da Informática pela escola, devido ao potencial para socialização de problemas, de soluções e de novos conhecimentos específicos da área, pelo registro e troca de informações que afetem o cotidiano do grupo, dentro e fora da escola. Tem a vantagem do suporte social, algo fundamental em qualquer grupo, como também de metodologias, linguagens de comunicação e perspectivas que muitas vezes são restritas ao seus membros (cito o exemplo dos professores de matemática). Os participantes poderão comunicar-se (pelo menos em parte, quando houver infra-estrutura suficiente) através do computador, tirando máximo proveito das características do instrumento, especialmente pela possibilidade de atividade virtual simultânea com alguns ou todos os componentes da MCC. Em tais situações, embora haja redução de alguns aspectos do diálogo face a face, é ampliada a presença virtual de todos (ou de parte dos membros do grupo, a critério do “emissor”), uma vez que o conteúdo colocado na rede é depositado automaticamente na caixa postal eletrônica de todos (ou de endereços selecionados), podendo ser lido e relido, transformado, impresso, redistribuído, etc.

Uma vez criada uma MCC, poderão ser feitas capacitações dirigidas para as características e necessidades do grupo (por exemplo, um curso de exploração dos recursos e dos possíveis usos pedagógicos de uma planilha eletrônica, para as MCC de Matemática e de ciências; ou de um processador de textos para a MCC de Português ou História). Uma vez conseguido o uso regular de ferramentas universais no cotidiano da escola, haverá um solo fértil para a exploração de software educativos, como também discussão e mesmo construção de software por pessoas da própria da MCC, nascidos com o suporte, nas condições e em função das necessidades do grupo.

Outras culturas de uso da informática na educação vem sendo desenvolvidas, destacando-se a rede internacional Kidlink, sem fins lucrativos, iniciada em 1990 na Noruega, que estimula e organiza a comunicação entre jovens, na maioria com idade de 10 a 15 anos), monitorada por educadores e pais voluntários em todo o planeta, durante 24 horas por dia, envolvendo mais de cem mil jovens de 114 países. São 38 listas de discussão públicas em várias línguas, um chat e um site de exibição de arte eletrônica produzida pelas crianças.

O principal meio de comunicação é o correio eletrônico e qualquer jovem que queira participar deve apenas responder às quatro perguntas que definem a filosofia da Kidlink: Quem sou eu? Que quero ser quando crescer? Como gostaria que o mundo fosse quando eu crescer? Que posso fazer agora para que isso aconteça?

A Kidlink brasileira, em português, deve muito ao trabalho incansável da professora Marisa Lucena (1997; www.kidlink.org/) da PUC-RJ, coordenadora nacional e uma das principais executivas da rede a nível internacional. Várias khouses (salas de computadores que permitem acesso a crianças de escolas públicas em dias e horários determinados) existem de norte a sul, criadas e mantidas com o apoio de várias organizações, sob supervisão e com o apoio da professora Lucena e colaboradoras.

Software Educativo
Para nossos propósitos, o software educativo pode ser classificado em duas grandes categorias: 1. Transposição, para o computador, de formas tradicionais de ensinar, e 2. Aplicação dos recursos inerentes à ferramenta ao ensino e a aprendizagem de conteúdos específicos.

Na primeira categoria a confecção de programas educativos não oferece grandes problemas e previsivelmente é onde tem ocorrido maior produção. Com a ajuda de bons programadores e de especialistas em design, é relativamente fácil de se transpor conteúdos impressos para o computador, sem grandes mudanças, constituindo-se em exemplos de modernização conservadora.

Existe no mercado uma enorme quantidade de “livros didáticos eletrônicos,” enriquecidos superficialmente com movimentos, sons, cores vivas, apresentação gráfica atraente. Essencialmente o conteúdo e a forma de ensinar permanecem inalterados, apesar de maquiados. São comuns também programas de exercício de fórmulas e de algoritmos de resolução de problemas. Devido ao caráter inicial dramático (Ihde) do novo modo de apresentação, tais programas tornam o conteúdo mais atraente para o professor e para o aluno, mas tendem a cair na rotina escolar, uma vez passado o efeito da novidade. Alguns apresentam a vantagem de registrar respostas a exercícios e fornecem feedback imediato ao aprendiz, numa espécie menos rígida de instrução programada.

A produção de um bom software educativo na segunda categoria, lançando mão dos aspectos singulares da tecnologia, apresenta problemas consideráveis. Em primeiro lugar, o conteúdo manipulado através do instrumento pode apresentar características diferentes da realidade do livro didático ou da aula convencional. Vejamos o exemplo da geometria da tartaruga, possibilitada pela parte gráfica da linguagem Logo (Valente, 1996), da geometria através do Cabri-geomètre (Bittencourt, 1996) ou da álgebra através de uma conjunto de dados em uma planilha eletrônica.

Outro aspecto complicador é que o conhecimento em inteligência artificial ainda não nos ajuda muito a planejar e construir bons ambientes de aprendizagem. Além disso, tem sido questionado se bons tutoriais são soluções desejáveis e adequadas em muitas situações de sala de aula, uma vez que tais ambientes poderiam limitar a criatividade e a participação ativa do aprendiz. O conhecimento e as capacidades que os alunos normalmente devem adquirir na sua formação básica é algo muito complexo, envolvendo não apenas a aplicação flexível de conhecimentos organizados, referentes a determinados domínios, envolvendo regras, conceitos, princípios, algoritmos, etc. (algo que a ideologia da disponibilidade de informações pela Internet tende a esquecer). Supõe o uso de heurísticas (estratégias de análise e transformação de problemas), de capacidades metacognitivas (auto-monitoração do próprio funcionamento cognitivo) e de estratégias de aprendizagem (v. De Corte, 1992 e 1995 para uma discussão detalhada de tais pontos).

Em vista disso, há algum tempo atrás um psicólogo cognitivista propôs a idéia de tutores “não inteligentes”, que dariam apoio temporário aos alunos, permitindo-lhes desempenhar em um nível logo acima do seu nível real de competência, sendo gradualmente retirado quando não fosse necessário.

O potencial de produção nesta área é muito grande, apesar de difícil. Basta lembrarmos que textos, figuras e conjuntos de dados manipulados através de ferramentas computacionais perdem a rigidez do papel, tornam-se dinâmicos, possibilitando maior rapidez na atividade intelectual individual e em grupo e maior alcance das ações mentais, tanto retroativas (com a possibilidade de acesso a textos, figuras, dados numéricos já “conhecidos”, através de arquivos eletrônicos existentes) como também ações mentais proativas, de certo modo concretizadas pela construção virtual de conteúdos possíveis porém desconhecidos, com a ajuda de simulações de software específicos ou de ferramentas de uso geral.

Representações múltiplas (dinâmicas, tridimensionais, a cores, em escalas diversas) possibilitadas pelo computador, permitem maior comunicação entre pessoas com interesses, histórias, problemas, esquemas conceituais parecidos e portanto podem potencializar, sob várias formas, o trabalho intelectual socializado, tanto a nível de quem ensina, como principalmente a nível de quem aprende, enriquecendo as possibilidades criativas da interação de elementos do grupo com talentos diversos. A disponibilidade constante de representações múltiplas e da ajuda mnemônica da máquina, no processo de criação, pode assim afetar a produção criativa individual e do grupo de formas interessantes.

Autores de livros didáticos tem anexado ao texto software de apoio à aprendizagem de conteúdos que não podem ser adequadamente explorados apenas pelo mídia impressa (p.ex., Fiolhais et alii, 1996). Este recurso tende a crescer no futuro, tanto pela transição gradual de boa parte do texto escrito para a mídia eletrônica, como pelo fato de tal estratégia desobrigar o professor, até certo ponto, de lidar com computadores, abrindo espaço, desta forma, para que seus alunos – certamente na maioria já usuários da máquina – possam beneficiar-se das possibilidades didáticas da tecnologia, em casa ou na escola, sem depender do professor.

Para tal, no entanto, é desejável que haja disponibilidade, na escola, de software e de computadores para todos os alunos, com o auxílio de monitores, que podem ser alunos de séries seguintes, experientes no manejo do software. O trabalho com monitores pode ter implicações mais amplas, pois ensinar é uma das melhores formas de aprender. Tais monitores poderão vir a ser futuros professores, com capacidades pedagógicas e atitudes inteiramente diferentes, em relação às TI, dos seus mestres do passado. Devo registrar que o trabalho com alunos monitores poderá contribuir para aumentar o nível de insegurança de determinados professores, gerando conflitos em situações de sala de aula.

Grande parte dos software educativos disponíveis no mercado carecem de documentação pedagógica que ajude o professor a usá-los e integrá-los na atividade de ensino. Isto é compreensível, porque a produção de versões amadurecidas consome tempo, exige recursos financeiros e trabalho interdisciplinar de pessoal especializado. Algumas exceções merecem ser citadas, como os software brasileiros de David Carraher e colaboradores.

O Divide (Carraher, 1992) é um pequeno jogo matemático, levando o aprendiz a tentar quebrar um código de dez letras que representam os numerais de zero a nove. O programa escolhe aleatoriamente um dividendo, exibindo-o em uma janela . O jogador insere, noutra janela, um divisor de sua escolha. Usando os resultados calculados pelo programa, o aprendiz pode deduzir gradualmente os numerais representados pelas letras. Em cada tentativa, apesar do computador calcular o quociente e o resto, alguns resultados são fornecidos em código, estimulando o jogador a continuar “dividindo para conquistar”.

(Inserir figuras, interfaces do Divide e do Sherlock)

O principal objetivo do Sherlock, também na forma de um jogo, é o preenchimento de lacunas em um texto vazado (ou palavras apresentadas com as letras embaralhadas), com o auxílio de pistas para a descoberta das palavras. A interação com o programa estimula a criatividade do jogador, à medida que tenta reconstituir o sentido do texto, buscando pistas no contexto. Os jogadores tendem a se envolver na atividade desde os primeiros momentos, ficando a máquina em segundo plano (uma das qualidades de bons programas educativos). Através de um editor próprio, os textos podem ser compostos pelo professor ou por outros jogadores, dependendo dos objetivos da aprendizagem. Como uma ferramenta sem conteúdos, o Sherlock pode ser usado em qualquer disciplina que envolva a linguagem escrita. Do ponto de vista computacional, ambos os software de Carraher são muito simples, podendo ser rodados em computadores hoje obsoletos.

Como ferramentas mais sofisticadas, destacam-se, nos EUA, a série de software educativos para ensino de geometria, desenvolvida sob o nome de Geometric Supposers, pelo grupo liderado por Judah Schwartz (Perkins et al, 1995) e na França o Cabri-Geomètre (e.g. Bittencourt, 1996). Este último vem sendo explorado no Brasil por muitos professores de matemática.

Ensino de Informática
Não tratarei em detalhes o ensino profissionalizante de informática, algo que vem sendo feito pelas escolas técnicas, por alguns projetos de segundo grau e pela empresa especializada de ensino. A UNESCO chegou a publicar um currículo de informática para o ensino médio (MEC/SEED, 1997). Na América Latina há grande expectativa da população no sentido de que lidar com computadores é importante para a obtenção de um emprego

Em alguns projetos tem havido confusão entre ensino isolado de informática e informática para melhoria do ensino. Ensinar através de pequenos cursos a manejar alguns programas de computadores, embora desejável e importante, é algo relativamente fácil e pouco acrescenta à educação de um aluno típico de escola pública. A pesquisa tem demonstrado que o difícil é colocar computadores numa escola pública de modo duradouro e usá-los para melhoria do ensino e da aprendizagem.

A introdução da Informática na escola deve abrir espaço para atendimento à comunidade e aos alunos que desejam obter tais habilidades, supervalorizadas pela propaganda continuada dos cursos isolados de Informática. Este aspecto torna-se mais saliente ao contrastarmos a situação da clientela da escola pública com a situação de famílias afluentes que possibilitam a seus filhos ambientes culturais onde a Informática e a Telemática são objetos do cotidiano, em casa, na escola particular, no trabalho.

É importante realizar, com os próprios alunos, um trabalho de leitura crítica desta realidade, discutindo-se as limitações e vantagens do que é ensinado e aprendido em tais situações e possíveis usos de tal conhecimento no trabalho e na sociedade. O domínio superficial de um processador de textos ou de uma planilha pode facilitar a obtenção de um emprego de digitador ou de secretária, mas o mais importante será aquilo que o trabalhador irá fazer com a máquina. Neste enfoque, o melhor ensino da ferramenta deveria ser feito através dos conteúdos manipulados com o instrumento. A pesquisa já demonstrou que o simples uso da ferramenta não melhora o conhecimento de português, matemática ou de outra disciplina.

Como usuário iniciante da ferramenta, o educador e o aprendiz não precisam entender o que está acontecendo “por trás” da tela do computador para operá-lo eficientemente. Não há necessidade de memorizar teorias sobre códigos binários, história do computador, etc., do mesmo modo que o operador de um robô não precisa saber que por trás da máquina há uma sofisticada tecnologia baseada na inteligência artificial. Boa parte da teoria dos cursos de introdução à Informática é conhecimento inútil no contexto da escola (e do trabalho), podendo ser considerado como um novo tecnicismo. Se este enfoque for adotado pela escola, há a possibilidade de desenvolvimento de estruturas que estimulem o ensino de mais uma disciplina “chata”, que tende a tornar-se obsoleta, com ocorreu com a disciplina “Processamento de Dados.” O ensino verbal intensivo de conhecimentos de Informática, com prática superficial e sem uso continuado posterior da ferramenta, será em grande parte esquecido pelo aprendiz após alguns dias ou meses. Além disso, tal conhecimento vem mudando com rapidez, tornando-se mais complexo para o profissional de informática e menos necessário para o usuário comum, acentuando-se assim a desnecessidade de seu ensino na escola.

No entanto, numa cultura de uso, quando se precisa usar algum recurso específico da ferramenta, ou quando algum recurso que o usuário não conhece irá tornar seu trabalho mais fácil e melhor, deve-se ensinar – no contexto de uso – o recurso necessário (aprendizagem just in time), havendo maior possibilidade de aprendizagem exploratória, significativa, adequada para a situação, com resultados visíveis.

Para se começar a usar, cursos introdutórios, de poucas horas de duração, poderão ser obtidos em qualquer centro urbano de um tamanho razoável. Na escola, tais cursos podem ser oferecidos por alunos que dominam a ferramenta e que tem talento para ensino, supervisionados por um professor experiente. Porém tais cursos não são suficientes para o domínio das modernas ferramentas universais de software, que embora simples de se manejar superficialmente, apresentam recursos sofisticados que só o uso continuado, em comunidades de prática, irá revelar. O treino inicial também poderá ser feito ou complementado através de fitas de vídeo e da literatura existente em quantidade nas livrarias.

Formação de professores em Informática Educativa
Antes, afirmei que informática é adjetivo, que o professor deverá explorar as novas TI com ênfase no conteúdo, não na ferramenta, e de modo continuado com o apoio de seus parceiros, em grupos físicos ou virtuais de interesse com características comuns.

Também coloquei que a escola deve gerir seus recursos tecnológicos e que sem o apoio da administração central da rede ou de outra instituição dificilmente qualquer projeto terá êxito. Que as TI estão cada vez mais fáceis de usar e que o suporte técnico tende a ficar a cargo de especialistas. Para isto é desejável o apoio de entidades que lidem com informática e com educação, particularmente de universidades e de organizações como SENAC, SENAI, escolas técnicas federais, empresas da comunidade, outras escolas que já lidem com tecnologias da informação.

Neste modelo, como formar professores para usar as novas TI na escola? Quem deverá formá-los, de que modo?

Em primeiro lugar, não devemos confundir dois tipos de profissionais. De um lado, há o professor que pode eventualmente usar computadores em algumas aulas ou orientar seus alunos e alunas como usá-los para complementação da aprendizagem de um determinado conteúdo; do outro, existe o especialista em tecnologia educacional, idealmente formado a nível de especialização ou outro curso de pós-graduação mais avançado, que não trataremos aqui.

O ideal será que o educador, no primeiro grupo, aprenda a lidar com as TI durante sua formação regular, nos cursos de licenciatura e de pedagogia, em disciplinas mais ou menos com os nomes de “Tecnologia Educacional” ou “Tecnologias da Informação na Educação” e de modo mas detalhado nas didáticas de conteúdos específicos (Metodologias de Ensino).

Algumas faculdades já oferecem tais disciplinas, porém como a universidade, compreensivelmente, é um grande navio de leme curto (não muda de curso facilmente), ainda demorará alguns anos para que haja mudanças neste sentido.

Na escola, o educador também poderá começar a explorar a ferramenta com a ajuda de alunos ou alunas experientes, como oportunidades para início de novas relações entre aluno e professor. No mundo complexo de hoje, todos nós temos algo a ensinar e a aprender, independente de sexo, idade, posição social, e a escola poderá aproximar-se da vida também neste particular.

Não se deve esperar que todos os professores da escola queiram aprender ou utilizem as novas TI. Aliás, não se deve esperar homogeneidade ou adesão de todos em nada e em nenhum lugar. Existem pessoas que não gostam de máquinas e o computador é um objeto que desperta sentimentos fortes de aproximação e de afastamento. Tenho escutado, espontaneamente, falas de professores neste sentido e tais posições devem ser respeitadas. No etapa de introdução, alguns professores não estarão interessados nas aplicações pedagógicas do computador, mas sim em aprender a dominar a máquina para outros propósitos. Tais casos são delicados e deverão ser objeto de exame pela escola e pelo grupo de interesse ao qual o professor pertença. As etapas e os problemas vividos por professores em várias escolas, durante quase uma década, são descritos de modo detalhado por Sandholtz e colaboradores (1997), que acompanharam o projeto ACOT, da empresa Apple, nos EUA.

São exceções as redes escolares que possuem estruturas administrativas de suporte para as novas TI. As existentes encontram-se em poucos estados e municípios que possuem condições materiais e recursos humanos mais capacitados. São necessárias estruturas de apoio, tanto a nível de formação em serviço, continuada, como de suporte técnico para manutenção e atualização de equipamentos e de software. Na escola, será necessário o gerenciamento diário da atividade com computadores, que deverá tomar parte do tempo de alguns funcionários e professores. Este aspecto torna-se mais saliente no processo de implantação.

O conhecimento sobre preparação de pessoal e sobre os usos das novas TI na educação ainda é algo relativamente recente em nosso meio (de certo modo em todo o mundo), estando acumulado nas teses e nas publicações de pesquisadores universitários. Os cursos de formação ainda encontram-se numa situação experimental, os alunos sofrem as deficiências da falta de estruturas, de software, de literatura didática. Uma deformação comum, tecnocentrista, é a ênfase em disciplinas de cursos de Informática (fora do contexto para o qual foram pensadas), que certamente terão pouca ou nenhuma utilidade para professores em geral e para os responsáveis pela Informática Educativa na escola (que prefiro chamar de Educadores de Apoio em Informática, enfatizando a identidade primeira do professor, que é ensinar alguma disciplina do currículo a crianças e adolescentes, da qual não deveriam se afastar, salvo exceções, apesar das novas funções).

Gestão da Tecnologia pela Escola e pela Rede Escolar
Na nossa situação atual, para gerir os recursos de Informática, as pessoas que fazem a escola não necessitam conhecimentos especializados de computação, mas sim de conhecimentos e de experiência em educação, em administração escolar; de vivência do cotidiano complexo, difícil e algumas vezes delicado de uma escola. É desejável que administradores e técnicos também participem de microculturas específicas, formando grupos eletrônicos de interesse, com suporte e incentivos das administrações centrais, de órgãos oficiais e de organizações profissionais.

Fora da escola, máquinas caras geralmente são usadas de modo intensivo para viabilizar economicamente e otimizar o investimento. O custo dos computadores é um aspecto que se torna mais saliente nos ambientes modestos de escolas públicas. Ademais, computadores tornam-se obsoletos em poucos anos. Portanto, qualquer experiência realista deve prever o uso máximo dos computadores nos horários de atividade na escola (com pequenos intervalos para limpeza do ambiente e manutenção preventiva).

O uso intensivo, por outro lado, acarreta problemas consideráveis de manutenção e de responsabilidades pessoais na escola. Para mencionar um aspecto corriqueiro, o funcionamento contínuo de uma sala de computadores exige limpeza freqüente do piso e de filtros de ar condicionado, manutenção e reinstalação de programas e arquivos danificados por vírus, compra periódica de novos software e equipamentos, cuidado com a segurança. Assim, será necessário retreinar e talvez ampliar o número de pessoas encarregadas de tais tarefas.

Um problema citado com freqüência é a posse da chave da sala de informática por administradores autoritários ou por um professor, impedindo o uso intensivo das máquinas. Tenho sugerido que os novos recursos sejam sempre gerenciados por dois ou mais professores da escola, pelo menos um deles com formação especializada, que tenham sua carga de aulas diminuída para atender as novas tarefas. Isto impede o domínio de um indivíduo, minimiza as transições causadas por mudanças de pessoal e estimulam a construção coletiva de rotinas de funcionamento e de solução de problemas que surgem com freqüência nos primeiros anos de assimilação da inovação.

Nenhum projeto de assimilação de novas tecnologias pela escola pública terá êxito permanente sem o apoio continuado da administração central da rede escolar. A presença de novas tecnologias na escola requer estruturas de suporte que dependem de políticas específicas. Dentre tais elementos, saliento o tempo de professores e de outros profissionais da escola que irão lidar com a tecnologia; capacitação periódica de pessoal; manutenção e substituição de equipamentos, aquisição de software; ligação com a Internet, preparação de espaço físico adequado na escola.

Embora fuja, em parte, ao tema central deste texto, vale a pena notar que nossos administradores ainda não perceberam as enormes implicações de bons projetos de informatização da administração central das redes públicas de educação. Talvez por falta de assessoramento adequado, além de causas outras. O argumento da falta de recursos não é convincente. Investimentos bem feitos nesta área geralmente tem retornos compensadores em prazos bem menores do que o previsto. Em muitos casos, a informatização tem se limitado à produção anual de estatísticas educacionais, à matrícula de alunos e confecção de cadernetas escolares, sem mudanças significativas nas rotinas, continuando a centralização e a existência de fontes de erros de estruturas de gerenciamento anteriores à automação.

O uso da informática na avaliação do desempenho escolar também deverá crescer no futuro próximo, com formas de registro e tratamento rápido de grandes volumes de dados que possibilitem a avaliação em processo, envolvendo todos os atores das instituições educacionais.

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