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Literatura

Condicionada pela tradição cultural e pelo dever histórico, a literatura tem, no entanto, uma dimensão que não se define somente pelas circunstâncias em que se produz. Nela, o talento individual do artista e a sensibilidade para os problemas de seu tempo são determinantes para mostrar, discutir ou criticar os principais aspectos de uma cultura.

Literatura é o conjunto de todas as manifestações verbais (orais ou escritas), e de intenção estética, seja do espírito humano em geral, seja de uma dada cultura ou sociedade. Na origem, a literatura de todos os povos foi oral, caráter que manteve mesmo após a invenção e difusão da escrita. As primeiras obras literárias conhecidas são registros escritos de composições oriundas de remota tradição oral. Todas as literaturas do Ocidente têm em comum, fundamentalmente, a herança grega e latina. Preservadas, transformadas e difundidas pelo cristianismo, as obras da Grécia antiga e de Roma foram transmitidas para as línguas vernáculas da Europa e das regiões colonizadas pelos europeus.

Literatura antiga. O fato indiscutível sobre a literatura ocidental antiga é que a maior parte dela se perdeu. O fogo, as guerras e a destruição pela passagem do tempo subtraíram suas obras à posteridade, e são poucas as peças que os paleontólogos resgatam de tempos em tempos.

Cada uma das cinco civilizações mais antigas que se conhecem — Babilônia e Assíria, Egito, Grécia, Roma e a cultura dos israelitas na Palestina — entrou em contato com uma ou mais dentre as outras. Nas duas mais antigas, a assírio-babilônica, com suas tábulas de argila quebradas, e a egípcia, com seus rolos de papiro, não se encontra relação direta com a idade moderna. Na Babilônia, porém, se produziu o primeiro código completo de leis e dois épicos de mitos arquetípicos — o Gilgamesh e o Enuma elish que vieram a ecoar e ter desdobramentos em terras bem distantes.

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O Egito, que detinha a intuição mística de um mundo sobrenatural, atiçou a imaginação dos gregos e romanos. Da cultura hebraica, a principal herança literária para o Ocidente veio de seus primeiros manuscritos, como o Antigo Testamento da Bíblia. Essa literatura veio a influenciar profundamente a consciência ocidental por meio de traduções para as línguas vernáculas e para o latim. Até então, a ensimesmada espiritualidade do judaísmo mantivera-a afastada dos gregos e romanos.

Embora influenciada pelos mitos religiosos da Mesopotâmia, da Anatólia e do Egito, a literatura grega não tem antecedentes diretos e aparentemente se originou em si mesma. Nos gregos, os escritores romanos buscaram inspiração para seus temas, tratamento e escolha de verso e métrica, valores que transmitiu para os primeiros tempos da Idade Média, quando a cultura da Grécia já fora absorvida pela tradição latina, para só no Renascimento ser redescoberta.

Todos os gêneros importantes de literatura — épica, lírica, tragédia, comédia, sátira, história, biografia e prosa narrativa — foram criados pelos gregos e romanos, e as evoluções posteriores são, na maioria, extensões secundárias. O épico grego de Homero foi o modelo do épico latino de Virgílio; os fragmentos líricos de Alceu e Safo encontraram continuidade na obra de Catulo e Ovídio; e à história de Tucídides seguiu-se a de Tito Lívio e a de Tácito.

O ideal humano que transparece nas literaturas grega e latina, formado após a civilização ter emergido dos séculos iniciais de barbárie, ainda seria transformado, antes do fim do mundo antigo, no ideal do espiritualismo judaico-cristão, cujos escritores prenunciaram a literatura medieval.

Literatura medieval. O surgimento do cristianismo nos territórios que haviam formado o Império Romano incutiu na Europa a atitude geral para com a vida, a literatura e a religião dos primeiros doutores da igreja. No Ocidente, a fusão das filosofias cristã e clássica formou a base do hábito medieval de interpretar simbolicamente a vida. Por intermédio de santo Agostinho, os pensamentos platônico e cristão reconciliaram-se. A organização permanente e uniforme do universo grego recebeu forma cristã e a natureza tornou-se um sacramento, revelação simbólica da verdade espiritual.

A igreja não apenas estabeleceu o objetivo da literatura, como cuidou de preservá-la. Ao longo dos tempos, os mosteiros criados nos séculos VI e VII conseguiram preservar a literatura clássica do Ocidente, enquanto a Europa era varrida por godos, vândalos, francos e, mais tarde, escandinavos. Os autores clássicos romanos assim preservados e as obras que continuavam a ser escritas em latim predominaram sobre as obras vernáculas durante quase toda a Idade Média. A Cidade de Deus, de santo Agostinho; a História eclesiástica, do venerável Beda; e a crônica dinamarquesa de Saxo Grammaticus, por exemplo, foram todas escritas em latim, como a maioria das principais obras sobre filosofia, teologia, história e ciência.

A literatura européia pré-cristã tinha uma tradição oral que foi resgatada na Edda poética e nas sagas, ou épicos heróicos, da Islândia, no Beowulf anglo-saxônico e na Hildebrandslied (Canção de Hildebrando) alemã. Todas essas obras pertenciam a uma tradição comum alemã, mas foram registradas por escribas cristãos muito depois do evento histórico que relatam. Seus elementos pagãos se fundiram com o pensamento e sentimento cristãos. Numerosas baladas, em países diversos, também revelam uma antiga tradição nativa de declamação oral.

Entre os mais conhecidos dos muitos gêneros que surgiram nas literaturas vernáculas medievais estão o romance e a lírica amorosa, que combinavam elementos das tradições orais populares com as da literatura refinada. O romance usou fontes clássicas e arturianas numa narrativa poética que substituiu os épicos heróicos da sociedade feudal, como a Canção de Rolando, lenda sobre o heroísmo dos cavaleiros. No romance, temas complexos como amor, lealdade e integridade pessoal se juntaram na busca da verdade espiritual, amálgama encontrado em todas as literaturas ocidentais européias da época.

A lírica amorosa teve antecedentes heterogêneos. As origens do amor cortês são discutíveis, como o é a influência de uma tradição de poesia popular amorosa. Fica claro, porém, que os poetas do sul e norte da França, que cantavam a mulher idealizada, foram imitados ou reinterpretados em toda a Europa: na escola siciliana da Itália, nos Minnesingers (trovadores) da Alemanha, nos versos latinos da Carmina Burana e nos cancioneiros portugueses, espanhóis e galegos do século XIII ao XVI.

Grande parte da literatura medieval, no entanto, é anônima e dificilmente datável. Autores como Dante, Chaucer, Petrarca e Boccaccio, que surgiram no fim do período, foram os mais abalizados comentaristas da cena medieval, ao mesmo tempo que anunciavam os grandes temas e formas da literatura renascentista.

Renascimento. O despertar de um novo espírito de curiosidade intelectual e artística foi a característica dominante do Renascimento. Esse fenômeno político, religioso e filosófico postulou o ressurgimento do espírito da Grécia antiga e de Roma. Na literatura, isso significou um interesse renovado e a releitura dos grandes escritores clássicos. Acadêmicos buscaram e traduziram textos antigos “perdidos”, cuja disseminação foi possível graças aos progressos da imprensa na Europa, a partir de 1450.

A arte e a literatura atingiram no Renascimento uma estatura nunca vista em períodos anteriores. A época foi marcada por três situações históricas principais: primeiramente, o novo interesse pelo saber, representado pelos acadêmicos clássicos conhecidos como humanistas, que forneceram modelos clássicos de grande interesse para os novos escritores; segundo, a nova forma do cristianismo, iniciada pela Reforma protestante liderada por Lutero, que chamou a atenção dos homens para o indivíduo e sua vida interior, a ponto de gerar nos países católicos a réplica da Contra-Reforma; em terceiro lugar, as grandes navegações, que culminaram com a descoberta da América em 1492 por Colombo, com repercussão nos países que fundaram impérios ultramarinos, assim como na imaginação e consciência da maior parte dos escritores da época.

A esses devem adicionar-se muitos outros fatores, como o progresso da ciência e da astronomia, e a situação política da Itália no fim do século XV. A nova liberdade e o espírito inquiridor nas cidades-estados italianas favoreceram o aparecimento dos grandes precursores do Renascimento: Dante, Petrarca e Boccaccio. Na França, o Renascimento manifestou-se na poesia dos componentes do grupo conhecido como Pléiade e nos ensaios de Michel de Montaigne, enquanto em Portugal o grande poeta épico Camões marcava a fundo o século XVI e, na Espanha de meio século depois, revelava-se Cervantes.

No século XVI, o acadêmico holandês Erasmo sintetizou a evolução do humanismo, que incorporava o espírito da curiosidade crítica, o interesse pelo saber clássico, a intolerância para com a superstição e um profundo respeito pelo homem como a mais complexa das criações de Deus. Um aspecto da influência da Reforma protestante na literatura foi a grande quantidade, nesse período, de traduções da Bíblia em línguas vernáculas, o que estabeleceu novos modelos para a prosa. O ímpeto renascentista manteve-se vigoroso até o século XVII, quando John Milton sintetizou o espírito do humanismo cristão.

Século XVII. Na política e na sociedade, tanto quanto na literatura, o século XVII foi um período de grandes turbulências. O Renascimento preparara o ambiente receptivo essencial para a disseminação das idéias da nova ciência e da filosofia. Uma retrospectiva autêntica dessa fase também precisa levar em conta o efeito das convulsões sociais e políticas ocorridas do início aos meados do século. Na Inglaterra, houve a guerra civil (1642-1651) e a restauração da monarquia (1660); na França, as insurreições da Fronde (1648-1653), nas quais estava envolvido La Fontaine; na Alemanha, os conflitos religiosos e políticos da guerra dos trinta anos (1618-1648); e, nos Países Baixos, a luta pela independência da Espanha (1568-1648).

As lutas civis, políticas e religiosas que dominaram a primeira metade do século eram também uma resposta à Contra-Reforma. Referências ao conflito religioso se infiltraram nas formas e temas da literatura. Uma reação a isso — particularmente na Itália, na Alemanha e na Espanha, mas também na França e na Inglaterra — foi o desenvolvimento de um estilo em arte e literatura conhecido como barroco, mais peculiar à obra de Giambattista Marino, na Itália, Luis de Góngora na Espanha e Martin Opitz von Bobenfeld na Alemanha. Na Inglaterra, a poesia metafísica era a principal tendência do verso inglês da primeira metade do século. Essa denominação, primeiramente aplicada por Dryden à obra de John Donne, é hoje utilizada para designar um grupo de poetas diferençados por seus estilos individuais, altamente intelectualizados, que tinham afinidades com a literatura barroca, especialmente no caso de Richard Crashaw.

Possivelmente, o traço mais vivo do século XVII tenha sido o conflito entre a tendência a continuar imitando os clássicos do Renascimento e a aspiração à novidade trazida pelos cientistas e pensadores, bem como pelas novas experiências com novas formas literárias. Em todos os países, delineou-se o conflito entre antigos e modernos, estes a exigir um estilo de prosa mais adequado aos novos tempos de ciência e exploração. Os modernos, na França, eram seguidores de Descartes. Na Inglaterra, encontrava-se uma tendência similar no trabalho da Royal Society, que incentivava o uso de uma linguagem mais simples, uma maneira de falar mais transparente e natural, adequada ao discurso racional, comparável às grandes realizações da prosa de Milton e Dryden.

Século XVIII. Sobre o século XVIII pesaram, quase nas mesmas proporções, dois impulsos básicos: razão e paixão. O respeito à razão se revelava na busca da ordem, da simetria, do decoro e do conhecimento científico; o cultivo dos sentimentos estimulou a filantropia, a exaltação das relações pessoais, o fervor religioso e o culto da sensibilidade. Na literatura, o impulso racional favoreceu a sátira, o debate, a inteligência e a prosa simples; a paixão inspirou o romance psicológico e a poesia do sublime.

O culto da inteligência, da sátira e do debate fez-se evidente, na Inglaterra, nas obras de Alexander Pope, Jonathan Swift e Samuel Johnson, em conformidade com a tradição de Dryden, do século XVII. O romance tornou-se uma forma de arte maior na literatura inglesa, em parte pelo realismo racionalista das obras de Henry Fielding, Daniel Defoe e Tobias Smollett e, em parte, pela perquirição psicológica dos romances de Samuel Richardson e do Tristram Shandy, de Laurence Sterne. Na França, as obras mais representativas do período são os textos filosóficos e políticos do Iluminismo, sobretudo os de Voltaire e de Rousseau, de profunda influência em toda a Europa e prenúncios teóricos da revolução que se avizinhava.

Na Alemanha, que por algum tempo seguiu os modelos francês e inglês, a grande época da literatura veio no fim do século, quando o cultivo dos sentimentos e da grandeza emocional encontrou sua mais poderosa expressão no movimento conhecido como Sturm und Drang (Tempestade e Tensão). Dois grandes nomes da literatura alemã e universal, Goethe e Schiller, autores de teatro e poesia, avançaram muito além da turbulência do Sturm und Drang.

Século XIX. Um dos períodos mais interessantes e vitais de toda a história das literaturas foi o século XIX, de especial interesse por ser a época de formação de muitas tendências literárias modernas. Nesse período, nasceram ou começaram a se formar o romantismo, o simbolismo e o realismo, assim como algumas das vertentes do modernismo do século XX.

Romantismo. O movimento literário dominante no início do século XIX foi o romantismo que, na literatura, teve origem na fase do Sturm und Drang na Alemanha. Essa afirmativa é uma importante correção da noção habitual que se tem da literatura romântica como se tivesse começado com a poesia inglesa de Wordsworth e Coleridge, e a publicação, em 1798, das Lyrical Ballads de ambos. Além disso, embora seja verdade que a revolução francesa e a revolução industrial foram dois dos principais fatores políticos e sociais a influenciar os poetas românticos da Inglaterra do início do século XIX, muitos traços do romantismo na literatura surgiram a partir de fontes literárias e filosóficas.

Os antecedentes filosóficos foram fornecidos no século XVIII principalmente por Jean-Jacques Rousseau, cuja ênfase no indivíduo e no poder da inspiração influenciou Wordsworth e também escritores românticos da primeira fase: Hölderlin e Ludwig Tieck, na Alemanha; e o francês Jacques-Henri Bernardin de Saint-Pierre, cujo Paul et Virginie (1787) antecipou alguns dos excessos sentimentais do romantismo do século XIX. Os românticos acreditavam que a verdade das coisas poderia ser explicada somente por meio do exame de suas próprias emoções no contexto da natureza e das condições primitivas. Por causa da ênfase na inspiração, o poeta assumiu o papel central — como profeta e visionário. Ao mesmo tempo, rejeitava-se a imitação dos clássicos. Duas posições típicas do poeta romântico eram a mística visionária de Keats e o super-homem de Lord Byron.

A corrente romântica atravessou toda a Europa e chegou à Rússia. Em poesia, o estilo se manifesta em Musset, Lamartine e Victor Hugo, na França; José de Espronceda y Delgado, na Espanha; Niccoló Ugo Foscolo e Giacomo Leopardi, na Itália, onde se identificou com os sentimentos nacionalistas; Aleksandr Puchkin, na Rússia; e Adam Mickiewicz, na Polônia. O sentimento nacionalista também se acha na obra do português Almeida Garrett e, nos Estados Unidos, nas histórias de James Fenimore Cooper, na poesia de Walt Whitman e na obra de Henry Wadsworth Longfellow.

O ímpeto da poesia romântica começou a esgotar-se aproximadamente após 1830 e abriu caminho para estilos mais objetivos, porém muitos de seus temas e artifícios, tais como o do artista incompreendido ou do amante infeliz, continuaram a ser empregados.

Pós-romantismo. O primeiro poeta pós-romântico foi possivelmente um alemão, Heinrich Heine, mas a poesia alemã de meados do século XIX em sua maior parte seguiu Wordsworth, embora novas tendências fossem encontradas em Karl August von Platen-Hallermünde e no austríaco Nikolaus Lenau. A principal corrente pós-romântica apareceria na França, onde ganhou força um movimento conhecido como parnasianismo.

Originado com Théophile Gautier, o parnasianismo, mais que uma reação ao romantismo, foi de certa maneira um seu desdobramento. Ao concentrar-se nos elementos puramente formais da poesia, na estética e na “arte pela arte”, mudou a direção da poesia francesa e teve muita influência em outros países. Um de seus mais ilustres representantes, Charles Baudelaire, capaz de acreditar que “tudo que não fosse arte era feio e inútil”, processou ao mesmo tempo uma ruptura profunda com o movimento e anunciou os caminhos da poesia moderna.

Outro precursor dos modernos foi o americano Edgar Allan Poe, traduzido para o francês pelo próprio Baudelaire. Difundiram-se, pouco depois, os movimentos impressionista e simbolista, tomados de empréstimo à pintura, à escultura e à música. Paul Verlaine, o primeiro dos impressionistas, usava a sugestão e ritmos fugazes para conseguir seus efeitos. O simbolismo — uso seletivo das palavras e imagens para evocar atmosferas e significados sutis — aparece ainda nas obras de Mallarmé e Rimbaud.

A democratização da educação aumentou a procura do romance. No começo do século XIX, Jane Austen já satirizara os excessos do romance gótico, precursor do romantismo medievalizante do fim do século XVIII. Na França, o conflito entre inteligência e emoção apareceu nas obras de Benjamin Constant (Adolphe, 1816), mais notavelmente em Le Rouge et le noir (1830; O vermelho e o negro) de Stendhal e, posteriormente, em Madame Bovary (1857) de Gustave Flaubert. O realismo da obra de Flaubert e de Honoré de Balzac foi levado adiante por Guy de Maupassant na França, Giovanni Verga na Itália e Eça de Queirós em Portugal. Culminou no naturalismo de Émile Zola, que classificou sua prosa, em romances como Thérèse Raquin (1867), de “autópsia literária”.

Realismo e nacionalismo, contudo, parecem menos relevantes na visão de outros grandes escritores que se seguiram, como George Eliot, Charles Dickens e Thomas Hardy na Inglaterra e especialmente os russos Nikolai Gogol, Lev Tolstoi, Anton Tchekhov e Fiodor Dostoievski. Em tais escritores, observa-se uma aguda opção pela literatura de inquirição psicológica e social, estimulada pelas forças do liberalismo, do humanismo e do socialismo de muitos países ocidentais.

Século XX. Quando o século XX começou, as condições sociais e culturais que predominavam na Europa e na América não eram muito diferentes daquelas de meados e fim do século XIX. Pouco depois, porém, Joseph Conrad, Henry James e D. H. Lawrence anunciavam em sua obra literária a transição de um mundo relativamente estável para uma época turbulenta, que começou com a primeira guerra mundial, em que se dava o despertar de uma nova consciência moral na literatura e nas artes.

É o que se encontra sobretudo na ficção de A la recherche du temps perdu (Em busca do tempo perdido), de Marcel Proust — cujo primeiro volume, Du côté de chez Swann (No caminho de Swann), é de 1913; em Les Caves du Vatican (1914; Os subterrâneos do Vaticano), de André Gide; no Ulysses (1922), de James Joyce; em Der Prozess (O processo, publicado postumamente em 1925), de Franz Kafka; e em Der Zauberberg (1924; A montanha mágica), de Thomas Mann.

Várias influências que marcaram grande parte da literatura posterior a 1920 já estavam em evolução na obra desses escritores. Seu trabalho, como o de alguns outros da mesma época, mostrava interesse pelo inconsciente e o irracional. Duas importantes fontes dessa literatura foram Friedrich Nietzsche, filósofo alemão a quem tanto Gide quanto Mann, por exemplo, muito deviam, e Freud, cujos estudos psicanalíticos, por volta da década de 1920, exerceram poderosa influência sobre os intelectuais do Ocidente.

O abandono das tendências e estilos do século XIX não se limitou aos escritores de ficção. O primeiro Manifeste du surréalisme (1924), de André Breton, foi a afirmação inicial de um movimento que pedia espontaneidade e ruptura total com a tradição. No surrealismo, a influência de Freud transparecia pela importância atribuída aos sonhos, na escrita automática e em outros métodos não lógicos e, embora tenha durado pouco como movimento formal, teve efeito duradouro na arte e na poesia do século XX.

As incertezas da nova época e a diversidade de tentativas de lidar com ela ou lhe conferir coerência artística também pode ser observada em Duineser Elegien (1922; Elegias de Duíno) e Sonette an Orpheus (1923; Sonetos a Orfeu), de Rainer Maria Rilke; em Waste Land (1922; A terra inútil) de T. S. Eliot; e na obra de Fernando Pessoa.

O período internacionalista e experimental da literatura do Ocidente nas décadas de 1910 e 1920 foi importante não apenas pelas grandes obras então produzidas, mas também porque estabeleceu um padrão para o futuro. Nas maiores obras da fase, revelou-se bem o senso progressivo de crise e de urgência, além das dúvidas com relação à estabilidade psicológica da personalidade individual e do questionamento profundo de todas as soluções filosóficas e religiosas para os problemas humanos.

Na década de 1930, essas características do pensamento próprias do século XX persistiram e se expandiram para o domínio da política, na medida que os escritores se dividiam entre os que apoiavam o engajamento político em seus textos e aqueles que reagiam conservadoramente contra a dominação da arte pela política. Nem a segunda guerra mundial solucionou esse impasse. Questões semelhantes a essa ainda permaneciam em discussão no final do século.

Literatura após 1945. Seria tentador explicar a aparente escassez de grandes escritores no período imediatamente posterior à segunda guerra mundial como resultado inevitável da pressão acumulada pelo impacto dos progressos sociais e tecnológicos que se aceleraram em virtude do conflito. Sob tais circunstâncias instáveis e incertas, não pareceria totalmente estranho que os atos de escrever e ler, tal como são tradicionalmente entendidos, sofressem interrupção.

De fato, em certos países de alto desenvolvimento tecnológico, como os Estados Unidos, a palavra impressa, em si, pareceu a alguns críticos ter perdido sua posição central, deslocada na mente popular para uma cultura eletrônica e visual que não exige a participação intelectual da audiência. Assim, os meios de comunicação criaram uma cultura popular internacional em vários países ocidentais, mas em nada contribuíram para responder às questões sobre a importância contemporânea da literatura.

Dadas as condições extraordinárias em que trabalha o escritor moderno, não é surpreendente que seja difícil julgar a qualidade de sua produção, nem que a experimentação radical tenha seduzido grande número de autores. As formas tradicionais da escrita perdem suas características essenciais e se dissolvem umas nas outras, como os romances cuja linguagem adquire características de poesia, ou os que são transformados numa espécie de reportagem, enquanto a experimentação gráfico-visual deu aos poemas a aparência de pinturas verbais.

A experimentação formal, no entanto, é apenas um aspecto da questão literária contemporânea, e afirmar que a literatura moderna desde a segunda guerra mundial foi essencialmente experimental seria ignorar outras tendências que se manifestaram no início do século e que ainda continuam a ser discutidas. Na opinião da maior parte dos bons críticos, apesar da escassez de grandes nomes e da natureza possivelmente transitória de muito do que se escreve nesta época de temas e estilos tão variados, é muito provável que uma boa literatura esteja sendo produzida.