Biografias

Max Born (1882 – 1970)

A mecânica quântica, talvez a mais importante teoria da física moderna, representou um rompimento total com a física clássica, que vem desde o tempo de Galileu e Newton até o início do século XX. É aplicada ao estudo dos fenômenos que ocorrem ao nível de moléculas, átomos, etc., impossíveis de serem explicados pela mecânica clássica.

Os mais destacados físicos que ajudaram a desenvolvê-la – Bohr, Heisenberg, Jordan, Dirac, Pauli – e a aplicá-la – Fermi, Hund, Weisskopf, Oppenheimer, Mayer – eram jovens de pouco mais de vinte anos de idade, recém-formados, e foram nesta época colaboradores de um pesquisador da Universidade de Göttingen: Max Born, nascido a 11 de dezembro de 1882, e então já com quarenta anos.

O trabalho de Niels Bohr foi muito importante no desenvolvimento da mecânica quântica, principalmente pela introdução do “princípio da correspondência”, que guiou as pesquisas posteriores. Esse princípio afirma que as teorias clássicas devem estar contidas nas teorias quânticas, como um caso limite, assim como a mecânica newtoniana é um caso particular da teoria da relatividade, para velocidades muito menores do que a da luz.

As teorias clássicas de muitos fenômenos atômicos já eram bem conhecidas nos inícios do século XX. A partir daí, utilizando o princípio da correspondência de Bohr, os físicos tentaram adivinhar as fórmulas quânticas corretas, que fossem válidas nos pontos em que a teoria clássica falhasse. Mais tarde, ao receber o prêmio Nobel de 1954, Max Born resumiria a situação, dizendo: “A arte de adivinhar as fórmulas corretas chegou a um alto grau de perfeição”. Mas, na década de 20, apesar dos bons resultados obtidos por físicos como Lademburg e Kramers, isso levava a uma mistura incompreensível de física clássica e de procedimentos revolucionários. Era necessário encontrar uma teoria dos fenômenos atômicos e subatômicos que se bastasse a si mesma, e da qual pudessem ser deduzidas as fórmulas corretas, sem adivinhações. Tal foi o trabalho de Born.

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Terminada a Primeira Guerra Mundial, em 1918, o Professor Max Born foi desligado do Exército alemão, para o qual desenvolvera a teoria do sonar, e entrou para a Universidade de Frankfurt, onde um laboratório foi posto à sua disposição. Cansado e abatido, sem amar especialmente a física experimental, Born dedicou-se, então, à revisão dos estudos que realizara antes da guerra. Escreveu assim dois livros, um sobre a teoria da relatividade, outro em que abordava a teoria das redes cristalinas, da qual foi um dos pioneiros.

Em 1921, voltou à Universidade de Göttingen, onde estudara e já havia lecionado. Nessa época, começou a interessar-se pela teoria do átomo.

Estudando as teorias de quantização já existentes, publicou em 1924 um artigo em que estabelecia alguns princípios básicos relacionando as equações quânticas às equações clássicas. Mostrou também a necessidade de se desenvolver uma nova teoria, a que deu pela primeira vez o nome de mecânica quântica.

Um colaborador de Born, Heisenberg, foi quem forneceu, em 1925, o ponto de partida para a criação dessa nova física. Ele examinou e rejeitou algumas das concepções fundamentais da física clássica, e chegou a alguns resultados que não conseguiu compreender perfeitamente: no desenvolvimento do trabalho de Heisenberg apareciam os produtos q.p. e p.q., da posição q pela quantidade de movimento p. Mas em sua teoria estes dois produtos não poderiam ser iguais; era necessário que a ordem dos fatores alterasse o produto.

Não conseguindo passar além deste ponto, e estando adoentado, Heisenberg entregou seu manuscrito a Born, pedindo-lhe que tentasse prosseguir. Em seguida, viajou para a Inglaterra. Conforme Born contou mais tarde: “não li imediatamente esse manuscrito, pois estava muito cansado após o término do ano letivo. Mas quando, após alguns dias, eu o li, fiquei fascinado”.

O significado das idéias de Heisenberg ficou imediatamente claro para Born, que enviou o artigo para ser publicado e, após uma semana de esforços e tentativas, resolveu o problema. Graças a seus profundos conhecimentos de matemática, obtidos nos estudos universitários com Rosanes, em Breslau, Hilbert, em Göttingen, e Hurwitz, em Zurique, ele possuía as noções que faltavam a Heisenberg para aplicar ao problema.

Se a ordem dos fatores no produto de p por q altera o resultado, isto significa que a quantidade de movimento de um sistema e suas coordenadas não podem ser representadas por números simples, e sim por conjuntos especiais de números, denominados matrizes. Utilizando o cálculo matricial, Born conseguiu deduzir uma importante equação da mecânica quântica: p.q – q.p = h / 2 pi i, onde i representa a unidade imaginária.

Depois, auxiliado por Jordan, Born conseguiu desenvolver suas idéias. O trabalho realizado por ambos contém os mais importantes princípios da mecânica quântica. Pouco tempo depois, independentemente, um jovem físico, Paul Adrien Dirac, em Cambridge, conseguiu chegar aos mesmos resultados, partindo das idéias que Heisenberg lá expusera, numa série de conferências.

Seguiu-se uma colaboração intensa, por cartas, entre Born, Jordan e Heisenberg. Logo que este retornou à Alemanha, os três redigiram um artigo em conjunto, que ficou conhecido na história da física como “o trabalho dos três homens”: colocava em uma ordem lógica as idéias básicas da mecânica quântica matricial. Haviam decorrido menos de quatro meses desde que Heisenberg escrevera seu artigo inicial.

O desenvolvimento da mecânica quântica não parou aí; havia muito a descobrir. Os métodos desenvolvidos só se aplicavam a processos periódicos; durante uma curta estada nos Estados Unidos, Born, em companhia do matemático Wiener, desenvolveu a teoria de processos aperiódicos alterando a idéia inicial de matriz pelo conceito mais geral de operador não comutativo.

Na mesma época, independentemente do grupo de Göttingen, o físico Erwin Schrödinger desenvolveu uma mecânica quântica diferente. Ele partiu do trabalho de Louis de Broglie, que formulara a teoria ondulatória, segundo a qual toda partícula (um elétron, por exemplo) pode comportar-se também como uma onda (como a luz). Mais tarde, o próprio Schrödinger mostrou que tudo o que pode ser calculado por meio da mecânica quântica ondulatória também pode ser obtido por meio da mecânica quântica matricial. Em geral, no entanto, considera-se a formulação matricial mais profunda do que a ondulatória.

Na teoria de Schrödinger, havia o problema de interpretação da onda associada a cada partícula; o autor acreditava que, na realidade, não existem partículas. Um elétron, por exemplo, ao invés de ter uma localização no espaço bem definida, e dimensões pontuais, deveria ser considerado como algo de grandes dimensões, cuja densidade em cada ponto era determinada pela função de onda psi: p = psi 2

Foi Max Born quem demonstrou que esta concepção estava errada; um elétron é na verdade algo pontual, ou de dimensões tão pequenas que ainda não foram estabelecidas com precisão. Portanto, a função de onda não pode descrever a densidade do elétron em cada ponto, e sim a probabilidade de que o elétron seja encontrado em um certo lugar. De acordo com esta concepção a mecânica quântica não pode descrever a posição em que se encontra uma partícula, mas pode dizer apenas onde é mais provável que ela se encontre. Utilizando estas idéias, Born reconstruiu a teoria do átomo, obtendo as mesmas equações da teoria de Bohr, mas empregando um modelo totalmente diferente. Com base nas mesmas idéias, Wentzel, um ano mais tarde, desenvolveu a teoria da colisão de partículas alfa com núcleos atômicos, obtendo resultados de acordo com a experiência. A teoria da colisão é básica em toda a física nuclear e na física das partículas elementares.

Born permaneceu em Göttingen até 1933, quando foi forçado a deixar a Alemanha; emigrou então, com a esposa Hedwig e seus três filhos, para Cambridge, na Inglaterra. Lá trabalhou com Infeld no campo da teoria eletrodinâmica não-linear. Passou um ano (1936) na Índia, onde realizou pesquisas com Raman, físico que posteriormente também receberia o prêmio Nobel.

De volta à Inglaterra, fixou-se na Universidade de Edimburgo, onde ficou até sua aposentadoria, em 1953. Durante este tempo, escreveu cerca de vinte obras sobre a física do átomo, óptica quântica, teoria do comportamento de sólidos e líquidos e filosofia da ciência. Poucos anos antes de seu falecimento, ocorrido a 5 de janeiro de 1970, Born ainda publicava livros, estando principalmente interessado na relação entre a física e a sociedade. Ele considerava que, como físico, tinha a responsabilidade de prevenir a humanidade de que ela logo seria aniquilada, se não desistisse de aplicar o conhecimento científico à guerra e à destruição.

Muitas vezes, atribui-se a Heisenberg o papel mais importante no desenvolvimento da mecânica quântica e coloca-se Born em segundo plano. No entanto, o papel de Born foi inestimável. Graças à sua enorme intuição, podia dizer à primeira vista se uma pesquisa conduziria a algo importante ou não, ou que caminho deveria ser trilhado para se chegar a uma certa descoberta. Graças a isto, conseguiu orientar seus colaboradores, que em grande parte apenas demonstravam e desenvolviam as idéias por ele lançadas. Na verdade, muitas destas idéias só foram comprovadas muito mais tarde. Um dos mais brilhantes trabalhos do matemático von Neumann, por exemplo, consistiu no desenvolvimento dos métodos necessários para provar uma hipótese de Born.

Está intuição científica é uma característica comum a todos os grandes cientistas como Max Born, E a ele se aplicam perfeitamente as palavras de Heisenberg: “Sua compreensão profunda das teorias não era o resultado de uma análise matemática, e sim da preocupação direta com os fenômenos reais, de tal forma que era possível para ele sentir intuitivamente as relações e equações, sem precisar deduzi-las formalmente. Então compreendi: o conhecimento da natureza é obtido desta maneira, e só como um segundo passo as idéias assim descobertas podem ser colocadas em uma forma matemática e submetidas a uma análise racional”.