Biografias

Manuel Bandeira – Uma Poética de Múltiplos Espaços

Graças FRANCO
“Escolhi trabalhar com Bandeira porque ele é o poeta da simplicidade, uma escola da qual preciso muito: uma escrita enxuta, sem perder a poesia, voltada para as pequenas coisas”, diz. (PINHEIRO, Augusto Equipe do DIÁRIO)

O ensaio intitulado ” Vou-me embora pra Pasárgada ” tem o objetivo de contribuir com a leitura de um dos poemas de Manuel Bandeira e também com a literatura brasileira.

VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA

Vou-me embora pra Parsárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Parsárgada

Vou-me embora pra Parsárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contra-parente
Da nova que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau de sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Parsárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mais triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Parsárgada.

Manuel Bandeira (M. Carneiro de Sousa B. Filho), professor, poeta, cronista, crítico e historiador literário, nasceu em Recife-PE, em 19 de abril de 1886, e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 13 de outubro de 1968. Eleito em 29 de agosto de 1940, para a Cadeira n. 24, na sucessão de Luís Guimarães Filho, foi recebido em 30 de novembro de 1940, pelo acadêmico Ribeiro Couto.

Manuel Bandeira autor de “Vou-me embora pra Pasárgada”. Ele, um dos grandes poetas do modernismo da Literatura Brasileira, antecipou as tendências modernistas de 1922. Suas poesias são construídas em torno de uma elevada liberdade de expressão e se caracteriza através de versos livres e uma linguagem simples e comunicativa.

O poema “Vou-me embora pra Pasárgada” inserido no livro Libertinagem, Manuel Bandeira, como poeta modernista, desenvolveu plenamente a linguagem coloquial e irônica. O poema “Vou-me embora pra Pasárgada”, foi publicado em 1930, e nele nós podemos observar o seu intenso desejo de libertação, seus sentimentos, frustrações e tédios:

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura.
(…)
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo (…)
Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção (…)
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu amo
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Pasárgada foi o lugar criado pelo poeta para fugir à realidade, do dia-a-dia. É lugar de aventura, do mundo de sonhos, onde, os desejos proibidos na vida real podem se realizar; a tristeza pode ser descartada, porque ele tem um amigo que o chama de rei.

Considerando que a elaboração poética é o estado ou nível de linguagem em que o signo (o som de uma palavra, chamado significante – possui um significado, conceito social), supera o limite da simples representação no texto. Nós podemos observar o modo de intermediação do signo e o referente desta obra de Manuel Bandeira . Nesse trabalho, o autor focaliza que o espaço físico foi fundamental:

(…) Em Bandeira, para o que ele chama no seu trabalho de “o chamamento do espaço para dar dimensão ao que vivemos e ao que preservamos em nossa memória, que é quase inevitável” (MARTINS, Eduardo).

Em Pasárgada o “eu lírico” se confunde, se mistura com o próprio poeta.

“A voz lírica parece promover verdadeira fusão entre o sentimento e a inteligência, entre o universo reconhecido e seu drama de expressão mais subjetivo. Este movimento de espacialização do eu lírico ocorre desde os seus primeiros poemas, em que a atitude contemplativa parece resguardar as ações, a partir da visão centrada no interior do observador, pela identificação do universo de experienciado”. (MARTINS, Eduardo )

No que diz respeito à sua estrutura, o poema “Vou-me embora pra Pasárgada” compõe-se de cinco estrofes que, apresenta um número diferente de versos: cinco na primeira; oito na segunda; doze na terceira; oito na quarta e oito na quinta. Esta divisão em cinco estrofes existe uma palavra-chave “Pasárgada” lugar criado pelo autor para fugir do cotidiano.

O texto apresenta uma linguagem coloquial, aonde, na primeira estrofe o verbo “ir” no primeiro verso, o verbo “ser” no segundo verso, e os verbos “ter” e “querer” no terceiro verso estão conjugados na 1ª pessoa do presente do indicativo. “Lá” (advérbio de lugar), Pasárgada (substantivo) são as palavras-chaves da primeira estrofe que indicam o lugar criado pelo autor. O segundo e quarto versos da primeira estrofe são constituídos de rima cruzadas, externa e consoante, porque apresenta semelhança de consoantes e vogais. Na segunda estrofe existe rima cruzada, externa e consoantes nos versos: quarto e sexto verso e no sexto e sétimo verso a rima é emparelhada, externa e consoantes. Os verbos “ir” no primeiro verso, “ser” no segundo verso estão, também conjugados na 1ª pessoa do presente do indicativo. No terceiro verso, o verbo “ser” está conjugado na 3ª pessoa do presente do indicativo e tem rima interna e toante.

Quanto à terceira estrofe que é composta de doze versos, existem rimas emparelhadas, externas e consoantes nos versos terceiros e quarto; rima interna no segundo verso; terceiro; quarto; quinto; oitavo e nono; no décimo verso rima externa. O autor nos versos: primeiro; segundo; terceiro; quarto e quinto colocam o verbo na 1ª pessoa do futuro do presente, se referindo a sua liberdade, a qual, será desfrutada em “Pasárgada” lugar de sua imaginação, ou seja, fictício.

A quarta estrofe que contém oito versos visualiza a imagem do lugar, sua criação. Os versos segundo e quarto a rima é cruzada, consoante e externa e nos demais versos não há rima.

A quinta estrofe composta de oito versos traz rima cruzada, externa e consoante no quinto e sétimo versos. No primeiro e segundo versos há rima interna. Nesta, ele se refere as suas emoções e tédios, mas, mesmo assim vai ter alguém para lhe fazer companhia: o amigo rei, a mulher que ama e, ainda, um lugar para descansar “na cama que escolherei”.

“Por poemas conta-se o texto escrito nas linhas chamadas, que deleitam e comovem, com métrica e ritmos, rimas e outras sonoridades, imagens ou conteúdos da imaginação, emoções de um “eu” lírico”. (SAMUEL, Rogel)

Como na citação a seguir:
“A poesia foi para Manuel Bandeira mais do que um exercício de inteligência, mais do que uma profissão; foi um instrumento que lhe permitiu expressar com muita sensibilidade os momentos e emoções que marcaram sua existência”. (RUESCAS, Jesus – Cursos de Português para Todos, Edição 2001, pág. 222)

Glossário
1 – FRANCO, Graça – Aluna do 4º Período do Curso de Licenciatura em Português pela UVA

2 – A busca pela simplicidade, aliás, foi o que levou Adriana a Manuel Bandeira, tema de estudo do seu mestrado na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), cuja “dissertação” foi exatamente o romance.

3 – Eduardo Martins foi um dos nomes mais atuantes do Movimento dos Escritores Independentes, daquele começo dos anos 80 no Recife. trazia nos seus versos uma opção ao quase cânone poético estabelecido pela Geração 65. O livro de ensaios Bandeira – Uma Poética de Múltiplos Espaços é resultado de um estudo feito por mim para a dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual Paulista”, diz Martins. A edição é da Editora da Universidade Federal de Rondônia.

REFERÊNCIAS:
Academia Brasileira de Letras www.academia.org.br
(© Jornal do Commercio-PE)
CARVALHO, Roberto; CARVALHO, Rafael e ARAÚJO, J. Mesa;. Curso de Português para todos, Org. e Dir. Jesus Ruescas, R.B.E Editorial Ltda. Rio de Janeiro, 2001.
GOLDSTEIN, Normas. Versos, sons e ritmos São Paulo; Ática, 1985.

Texto enviado – 26/01/2009
Autor: Graças FRANCO

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