Biografias

Tom Jobim

Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim – TOM JOBIM – nasceu no dia 25 de janeiro de 1927 no bairro da Tijuca – Rio de Janeiro, filho de Jorge Jobim e Nilza Jobim (o pai morrera quando o filho tinha apenas 8 anos). O parto, demorado e difícil, foi auxiliado pelo Dr. Graça Mello, o mesmo que tinha assistido, anos antes, o nascimento de NOEL ROSA.

Desde pequeno, era contemplativo. Gostava de passar longos tempos sentado no degrau da cozinha, olhando para o céu ou para o quintal cheio de flores. Quando teve permissão para sair sozinho, andava pelas ruas tranqüilas do bairro, ia olhar o mar ou assistir às matinês no cinema próximo de sua casa.

Foi testemunha e personagem de importantes mudanças no Rio de Janeiro, a partir do próprio bairro onde mora desde os quatro anos de idade, Ipanema. Como ele próprio gosta de lembrar, a Ipanema da sua infância oferecia as ruas para jogar bola de gude, além da lagoa Rodrigo de Freitas para nadar e pescar camarão. Muito diferente, portanto do que ocorre neste fim de século. Às vezes, o padrasto (Celso Frota Pessoa que estivera presente em todos os momentos importantes de sua vida e da de sua irmã), acordava a família meio da noite para irem à praia na Barra da Tijuca. Tom e Helena (irmã de Tom, foi quem colocou o apelido) deitavam-se na areia fria e aprendiam a identificar as grandes constelações.. Começaram as primeiras incursões de Tom com seu avô pelas matas que então circundavam a cidade. Aos poucos, o menino aprendeu a direção dos ventos, das águas, o nome dos bichos. Também aprendeu sobre as plantas e as árvores, identificava os pássaros e imitava o canto de cada um. Observavam as garças, as gaivotas, os biguás, os sócos e os martins-pescadores. Ou então, os dois irmãos iam passear na Lagoa Rodrigo de Freitas. Apesar das inúmeras histórias contadas pela mãe, de crianças que ficavam presas no lodo e nas plantas aquáticas do fundo da lagoa, Tom adorava nadar naquelas águas azuis. Num dia que se tornaria inesquecível, ele nadou pela primeira vez até o outro lado. Foi e voltou, mantendo sempre o mesmo nado ritmado e entusiasmando os amigos que torciam pelo sucesso da façanha.

PRIMEIRAS NOTAS
Em 1940, Nilza Jobim, a mãe de Tom, inaugurou em sua própria casa o Colégio Brasileiro de Almeida. Construiu um segundo andar sobre a garagem, alugou um piano para as aulas de música e o pequeno Jardim de Infância começou a funcionar, em moldes modernos para a época. Tom, adolescente, sentia orgulho da iniciativa da mãe, mas morria de vergonha de morar em um colégio. De qualquer maneira, o piano na garagem começou a chamar a atenção do garoto. Todos os dias chegava da praia, ainda de calção, ia buscar combinações de notas e harmonias. Ficava horas tentando tocar, mas ainda achava que aquilo era apenas uma distração, como empinar pipa ou pescar.

Começou a ter aulas de música com Hans Joachim Koellreutter, um alemão fugido da guerra, que trazia da Europa a novidade do atonalismo. Tratava-se de um método moderno de composição, em que a escala tradicional de sete notas é modificada pela introdução de recursos da escala cromática. Foi pelo estudo do atonalismo que os acordes dissonantes foram introduzidos na música popular. Tom estudava com afinco, passando horas debruçado sobre as teclas de marfim, praticando escalas, aprendendo os clássicos. Apaixonou-se pelas obras de Villa-Lobos. Decidiu que queria ser concertista. A música fazia parte do seu dia-a-dia. Em casa, Tom ouvia a mãe e a tia cantarem composições de Pixinguinha, Custódio Mesquita, Noel Rosa, Ary Barroso, Lupiscínio Rodrigues, Dorival Caymmi e Ataulfo Alves. No cinema, assistia aos musicais de Hollywood e voltava cantando partes das trilhas sonoras. No rádio, o jazz (*) e os blues (*) se consagravam, tornando conhecidos compositores como Glenn Miller, Cole Porter e George Gershwin.

(*) Jazz – música norte-americana, nascida da confluência de ritmos afro com o charleston e o foxtrote. O jazz é uma das categorias musicais que mais exerceu influência sobre a música popular moderna. Fazem parte de sua estrutura improvisações e solos, que abriram novas possibilidades harmônicas e rítmicas, introduzindo novos elementos e novos instrumentos nos naipes que constituem a base instrumental da música popular.

(*) Blues – é o ancestral do rock da segunda metade do século. O Blues surgiu na região sul dó Estados Unidos, mais propriamente nas lavouras de algodão, onde os negros entoavam cantos de saudade e de amargura pela servidão a que eram obrigados.

O Blues tem sua origem ligada aos cânticos tribais e, posteriormente, aos de ligas religiosas dos afro-americanos. O termo Blues significa, em inglês – tristeza.

Apesar de nascido na Tijuca, Tom era um jovem típico de Ipanema. Freqüentava a sua praia e, na adolescência, já estava enturmado com amigos para formar grupos musicais. Entre esses amigos, encontrava-se Newton Mendonça, que mais tarde, seria seu companheiro na profissão de músico da noite e seu parceiro em alguns dos seus maiores sucessos. O adolescente, porém, não imaginava que, um dia, seria um profissional da música. Fazia os seus estudos normalmente nos colégios Mallet Soares, Mello e Souza, Paula Freitas, Juruena e Andrews, e pensou em ser engenheiro. Acabou fazendo concurso para a Faculdade de Arquitetura, onde permaneceu durante apenas um ano, decidindo-se, aí, sim por dedicar-se inteiramente à música.

Ao decidir trocar a arquitetura pela música, encontrou sérias resistências familiares. A começar pela mãe, dona Nilza, ” uma mulher forte, uma morena bonita de olhos verdes”, na definição do próprio compositor. Dona Nilza, temia que o filho, exercendo a profissão de músico e, mais grave, à noite, acabasse tuberculoso, como tantos outros que misturavam trabalho com boêmia. Quem apoiou, logo de saída foi seu padrasto, Celso Frota Pessoa. apoio fundamental em todos os sentidos, pois Tom resolveu casar-se com Thereza Hermanny em 1949, apesar de ganhar muito .mal como pianista de boate. Quando faltava dinheiro para pagar o aluguel, o padrasto o socorria imediatamente Trabalhando na noite, ele chegou a pensar que tinham inteira razão aqueles que temiam uma tuberculose ou qualquer coisa do gênero. Chegou a perder dez quilos, logo ele, que quase não tinha gordura para perder.

Nos primeiros anos de carreira, a principal preocupação era correr atrás do dinheiro do aluguel. Já morando na rua Nascimento Silva, 107 (endereço que se tornaria famoso, anos mais tarde, na música Carta ao Tom 74, de Vinícius e Toquinho). Sempre que encontrava algum conhecido reclamava. Primeiro do aluguel – quando pôde comprar o apartamento em que morava – das prestações. Numa tarde encontrou Pixinguinha no centro da cidade. Conversa vem, conversa vai, Tom acabou confessando seus temores, sua eterna preocupação em conseguir dinheiro para sustentar a família. Depois de ouvir pacientemente o jovem músico, Pixinguinha contestou: “mas isso não é o importante, Antonio, o importante é ser feliz” .

Observava-se uma certa ebulição na música popular brasileira em 1946. Em junho a gravadora Continental lançaria um disco destinado a obter grande repercussão: o sambacanção Copacabana, de João de Barro e Alberto Ribeiro, cantado por Dick Farney. Era uma obra que acabou abrindo um caminho na música popular brasileira e que continha ingredientes claramente recolhidos da música norte-americana.

Já ia longe a época em que era apenas mais um pianista na noite carioca, tocando de bar em bar, bebendo cerveja e trocando a noite pelo dia. Agora, Tom era uma pessoa diferente, sem as inquietações da juventude. Mas o Rio também se tornara uma cidade diferente. As pessoas já não mais podiam sair pelas ruas à noite, as praias estavam sujas e a pobreza era cada vez maior. O Brasil era outro, distante daquele que dera origem às bases de sua música. E agora, para entender sua trajetória, temos que revisitar aqueles pontos. Temos que reencontrar o Brasil que vivia, nos anos 50, a euforia da modernização. Õ país que abria suas portas pro mundo, ávido de produtos e de modas vindas dos grandes centros. Juscelino Kubitschek, eleito em 1955, seria o ponto alto e o símbolo dessa fase. Ele construiu a nova capital federal, Brasília, e deu grandes incentivos para a indústria automobilística nacional. Abriam-se caminhos para empregos e para o crescimento econômico.

No panorama cultural, o momento também era de buscar o novo. O concretismo, o Cinema Novo e a Bienal de São Paulo provavam que o nível artístico brasileiro podia ser comparado em qualidade aos melhores do mundo. A hora, agora, era a de reafirmar uma estética nacional, uma identidade.

Porém, se tudo parecia ir de vento em popa, na música não era bem assim. Atravessávamos uma entressafra. Um período recheado de boleros e sambas-canção de qualidade duvidosa. Era uma lacuna entre a bossa de Noel Rosa e a bossa nova, que ainda seria inventada nas areias de Ipanema.

Já que a música nacional passava por um momento de pouca criatividade, as rádios começavam a tocar mais e mais música importadas, especialmente dos Estados Unidos. Se por um lado isso diminuía o espaço para os artistas locais, por outro permitia que a juventude da classe média tivesse contato com o suingue dos negros norte-americanos, com seus lamenos e com sua liberdade de improviso.

É esse o ambiente em que Antônio Carlos Jobim se prepara. É dele que extrai elementos aqui e ali para, mais tarde, produzir sua mistura finalizando o jazz às tradições de grandes sambistas, como Ismael Silva e Noel Rosa, principalmente Noel, pai do samba de flauta, violão e cavaquinho (*).

(*) Samba-canção – resultado de uma mistura de ritmos. De um lado, o samba mais tradicional. De outro, os boleros. O resultado é uma música de ritmo cadenciado por instrumentos de percussão, como o surdo ou a bateria, com letras geralmente melosas, que falam quase sempre de casos de amor.

Quando Tom cria coragem para mostrar algum exemplo dessa mistura fina, tudo começa a acontecer. Já em 1953, vê pela primeira vez uma obra sua em um disco de 78 rotações. Pouco depois, outro disco. O reconhecimento vem chegando. Mas o panorama da música continua pálido. As soluções do bolero já não funcionam. Alguma coisa nova tem que aparecer para chacoalhar o marasmo que se insinua. E a mudança viria embalada num ritmo com raízes no samba, só que mais elaborado, nascido nas classes médias da Zona Sul do Rio. A nova música lidaria com uma temática urbana, existencialista, e revolucionária para sempre a MPB. Na década de 30, Noel Rosa já havia experimentado uma mistura. A união do samba do morro à poesia e ao humor da classe média dos bairros como Vila Isabel e Tijuca tinha resultado num novo tipo de samba, que, nos bares da cidade, era chamado de bossa.

Seu primeiro grande sucesso, Tereza da Praia, foi gravada em dueto por Lúcio Alves e Dick Farney em 1954.

A NOVA BOSSA

Já estamos nos meses finais de 1957, momento em que dois jovens se reencontram. Tom Jobim e João Gilberto haviam sido apresentados tempos atrás, mas passaram um período sem e verem. Agora, nesse reencontro, Tom ouve o violão tocado de forma singular, repara nos timbres discretos, tranqüilos, profundos, da voz do amigo: cantando baixo, dando a nota exata. Tom lembra-se de Cher Baker, grande do jazz norteamericano. Em pouco estaria consumado. Era o fim da época do sambas-canção. Tom e João empunhavam a bossa de Noel Rosa e a misturavam ao suingue do jazz. Havia nascido a nova bossa. A bossa nova (*) que embalaria a MPB nos próximos tempos.

(*) Bossa nova – um movimento musical surgido no final dos anos 50, no Rio de Janeiro. Mais do que uma simples tendência musical, a bossa nova inaugurou um novo estilo e um novo horizonte. Ela foi a síntese da interação entre o jazz e o samba, mas também foi o resultado do contato entre a cultura das escolas da zona sul carioca e a cultura da vida do morro das favelas do Rio de Janeiro. Juntamente com o rock, a bossa nova promoveu uma das maiores rupturas na música contemporâneas, influenciando, até hoje, músicos brasileiros e de várias partes do mundo.

Em 1958, João Gilberto lançaria o compacto Chega de Saudade, com a música harmônica de Tom e Vinícius de Moraes, e marcaria no calendário o nascimento do novo ritmo. Mas, como acontece com todo movimento de vanguarda, não demorou muito para que a bossa nova começasse a receber críticas. Diziam que era muito “jazzificada” sem autenticidade. O fato é que, harmônica e melodicamente, o estilo criado por Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto era muito mais trabalhado, e isso, aplicado a uma temática genuinamente brasileira, resultava em uma música muito arrojada para a época

Com o sucesso de Chega de Saudade, Tom Jobim abriu a gaveta onde guardava suas composições e foi como se dali saísse uma revoada de pássaros. Entre 58 e 59, ele lançaria músicas suficientes para manter uma estação de rádio 24 horas no ar. Quem não o conhecia, passou a conhecê-lo. Quem já ouvira alguma coisa sua, continuava a se surpreender com a criatividade do jovem compositor.

Como sempre, o Brasil é um lugar estratégico para os Estados Unidos. Na década de 50, não era diferente. O mundo vivia a guerra fria, dividido em dois blocos antagônicos, e qualquer país de dimensões continentais era vital para ambos os lados. Os americanos, então, se esforçavam para manter relações cordiais, estreitar os laços de amizade com o Brasil. Eram comum visitas de estrelas e políticos norte-americanos. Os mesmos norte-americanos que, desde a morte de Carmem Miranda, em 55, não sabiam muito bem o que era a música brasileira (para eles, continuava sendo O Tabuleiro da Baiana ou Chica Chica Boom Chic), ficaram espantados com a bossa nova que ouviram. Um dos músicos a visitar o Brasil nesta época foi Charlie Byrd. Quando ele partiu, levou na bagagem o ritmo que estreava e deixou assinado o visto de entrada da bossa nova para as terras de Tio Sam.

Tom teve vários parceiros e incontáveis intérpretes. Mas, para participar de fato de sua obra, era preciso uma boa dose de amor. Amor brasileiro. Por Causa de Você parceria com Dolores Duran. Mas essa não era a primeira composição que fazia com Tom. Antes houve a canção Se É por Falta de Adeus. A parceria com Dolores só não deu mais frutos por causa dos ciúmes de Vinicius.

Vinícius de Moraes acabou se tornando o parceiro mais importante de Tom. O primeiro produto acabado da parceria: nada menos do que o clássico Se Todos Fossem Iguais a Você. A partir do momento em que começaram a compor juntos, o poeta passou a exigir cada vez mais exclusividade de Tom. Juntos revolucionam a música popular brasileira e ajudariam a criar a bossa nova, influenciando artistas de todas as partes do mundo até os dias atuais. A parceria acabaria alguns anos depois, graças às constantes viagens de Tom ao exterior e ao temperamento inquieto e um tanto possessivo de Vinicius. Cada um seguiria seu caminho, mas deixariam obras-primas como Garota de Ipanema, Chega de Saudade, Eu Sei que Vou Te Amar e Canção do Amor Demais. O único parceiro de Tom com quem Vinicius não implicava era Newton Mendonça, amigo de infância do compositor. Diariamente Newton visitava Tom, e, juntos, discutiam música, futebol e mulheres. Trocavam opiniões ou, simplesmente, lembranças. Depois, Tom sentava-se ao piano, Newton ao seu lado, e começavam a compor. Desses encontros, nasceriam canções fundamentais na história da bossa nova e de toda a música brasileira, como Desafinado, Samba de Uma Nota Só, Brigas, Caminhos Cruzados, Meditação e Incertezas. Foi um período de enorme criatividade, mas ainda eram tempos difíceis, de muita preocupação e de falta de dinheiro. Para grande desgosto de Tom, quando os primeiros discos de bossa nova chegaram aos Estados Unidos e suas músicas começaram a ser gravadas e tocadas com sucesso, Newton morreu, vítima de um enfarte fulminante, com apenas 32 anos.

O compositor também acabou se afastando um pouco dos seus primeiros parceiros, como Paulinho Soledade, João Stockler, Luiz Bonfá, Alcides Fernandes e Roberto Mazoir, Ronaldo Bôscoli

Para Tom Jobim, iniciava-se uma nova etapa, dividindo o tempo e o trabalho entre os dois países. Pouco depois, ele começaria a se apresentar na TV americana. Torna-se famoso. É reconhecido na rua. Grava dois discos com Nelson Riddle, o companheiro habitual de Frank Sinatra, e, em 1966, realiza um grande sonho: The Voice – como Sinatra é chamado – convida-o para gravar. Escolhido pela crítica especializada dos Estados Unidos como o melhor álbum vocal de 67, o disco Francis Alberto Sinatra & Antonio Carlos Jobim ganhou o Grammy e foi sucesso de público. Em número de vendas só perderia para Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band, clássico do rock, dos Beatles. No período em que esteve fora, levou juntamente com João Gilberto, a bossa nova para a América do Norte e para o mundo.

Se nos Estados Unidos tudo era elogio, no Brasil… a crítica nacional não entendia porque ele passava tanto tempo fora do país ou porque gravava seus discos no exterior. O compositor era acusado de ter-se americanizado, de ter esquecido suas raízes e ter-se vendido.

No final da década de 60,~a situação política brasileira não era das melhores. A ditadura encurtava as rédeas e o regime se tornava cada vez mais duro. Por um lado, a direita, na figura dos militares, impedia o livre exercício da cidadania, por outro, as patrulhas ideológicas da esquerda execravam qualquer coisa que não estivesse exatamente de acordo com sua luta.

Os artistas viviam em um equilíbrio precário. Pressionados por todos os lados, eram intimados diariamente a deixar claras suas posições, a tomar partido. O que dizer, então, de alguém que não estava por aqui? O que pouca gente sabia era que o principal motivo que mantinha Tom nos Estados Unidos era a qualidade dos estúdios de gravação. Em busca da perfeição, nunca poderia se contentar com estúdios sucateados, incapazes de atingir o resultado que ele desejava.

Autodidata, lia tudo o que lhe caísse nas mãos. Sabia quase tudo sobre qualquer assunto. Quando suas músicas começaram a fazer sucesso no exterior, começou a preocupar-se com a qualidade das versões que seriam feitas. Comprou uma série de dicionários, livros de morfologia e sintaxe da língua inglesa e passou a estudar o significado e a etnologia das palavras.

Foi mesmo um período de equívocos. Quando sua música Sabiá venceu a etapa brasileira do 3° Festival Internacional da Canção, o público vaiou, achou que a letra da canção era alienada, ao contrário de Caminhando (Prá Não Dizer Que Não Falei Das Flores), de Geraldo Vandré, que ficara em segundo lugar. Meses mais tarde, quando o governo editou o AI-5 e intelectuais e artistas foram obrigados a abandonar o país, Sabiá se tornou um espécie de hino de saudade.

Durante os anos 70, Tom faria apresentações nos quatro cantos do mundo. Mas a verdade é que desejava estar no seu país. Queria estar no bar Veloso (mais tarde bar Garota de Ipanema), jogar conversa foram com os amigos, andar pela beira da praia. Por isso, a alegria foi grande quando recebeu o convite para participar de um show com os amigos Vinícius, Miúcha e Toquinho. Com previsão de ficar em cartaz por algumas semanas, o espetáculo acabou durando oito meses, e serviu para marcar a volta mais definitiva de Tom Jobim à cena brasileira.

Nos anos 80, o Brasil já perdera há muito a aura romântica. Era um país diferente. Com novas tristezas, com novas alegrias e nova inquietações. Já não era um país apenas belo. Era um país sublime. Com suas veias tortuosas expostas, com sua miséria . aumentada, com os cinzas das grandes cidades e das matas derrubadas, mas também com os azuis dos céus e os verdes das folhas e das esperanças. No meio de tudo isso, Tom Jobim soube se segurar em sua ilha, sem, no entanto perder de vistas o que acontecia no continente. Sabia das trilhas brasileiras. E, ainda em 84, achara companheiros para suas jornadas. A Nova Banda fora formada naquele ano, com músicos que tinham forte ligação afetiva com o maestro. Eram sua segunda esposa Ana Lontra, seus filhos Paulo e Elizabeth Jobim, Danilo Caymmi, o casal Jacques e Paula Morelembaum, Maúcha Adnet, Sebastião Neto e Paulo Braga, tocando e cantando criações de Tom. Era uma música que guardava, dentro de suas harmonias e letras, pedaços de um Brasil luminoso, que se podia ainda

vislumbrar nos discos de Tom Jobim
Em 08 de dezembro de 1994, o coração de Tom parara de repente.. No Rio de Janeiro, mais de mil balões brancos e pretos subiram ao céu, representando as teclas do piano. A multidão cantava Chega de Saudade. E todos sabiam que a saudade apenas começara.