Tecnologia

Divulgação Científica e Avanços Tecnológicos

Por Glória Kreinz
Os avanços tecnológicos afetam a sociedade ao ponto de alterar a maneira de vida ao seu redor, e o divulgador científico sente estas transformações em sua vivência social. A reflexão em torno destas mudanças tem gerado grupos antagônicos, favoráveis ou contrários ao uso generalizado das conquistas alcançadas, mas é inevitável a transformação social, fator este que transparece na linguagem cotidiana.

A constatação deste fenômeno social é discutido tanto por autores ligados à escola de Frankfurt como por franceses como Pierre Lévy ou o americano Nicholas Negroponte. Para o alemão Jürgen Habermas , por exemplo, a técnica seria sempre um projeto histórico-social, na qual é projetado aquilo que a sociedade e os interesses dominantes do poder pretendem fazer com natureza, homem e sociedade.

Decorreria daí a absoluta necessidade de verificar com o maior vigor possível o peso das determinações sociais que condicionam o projeto tecnológico. Todo um conjunto de meios, fins, alternativas e conseqüências tem que ser discutido antes da escolha das medidas práticas. A tentativa de “neutralidade” se daria unicamente diante de finalidades analíticas, porém como diz Roland Barthes, o grau neutro é mais um desejo que uma realização possível.

Quando discute ciência e tecnologia Habermas afirma que o conhecimento científico seria produzido numa sociedade determinada, que condiciona seus objetivos, seus agentes e o seu modo de financiamento. A produção científica torna-se uma prática social entre outras, irremediavelmente marcada pela sociedade em que se insere, apresentando todas as marcas, ambigüidades e contradições desta sociedade. Esta inserção estaria clara na política do financiamento do projeto científico e tecnológico.

Para Pierre Lévy “na época atual, a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em jogo a transformação do mundo humano por ele mesmo. A incidência cada vez mais pregnante das realidades tecnoeconômicas sobre todos os aspectos da vida social, e também os deslocamentos menos visíveis que ocorrem na esfera intelectual obrigam-nos a reconhecer a técnica como um dos mais importantes temas filosóficos e políticos do nosso tempo.”( Lévy, 1993)

Vale considerar nesta citação do autor françês uma palavra como tecnoeconômica, no sentido de incorporar, como em tecnotopias, a influência dos avanços tecnológicos na fala cotidiana.

Lévy propõe que “somos forçados a constatar o distanciamento alucinante entre a natureza dos problemas colocados à coletividade humana pela situação mundial da evolução técnica e o estado do debate “coletivo” sobre o assunto, ou antes do debate mediático .”

Acrescenta que “uma razão histórica permite compreender esse distanciamento pois “a filosofia política e a reflexão sobre o conhecimento cristalizaram-se em épocas nas quais as tecnologias de transformação e de comunicação estavam relativamente estáveis ou pareciam evoluir em uma direção previsível.” Afirma:

“Na escala de uma vida humana, os agenciamentos sociotécnicos constituíam um fundo sobre o qual se sucediam os acontecimentos políticos, militares ou científicos.” Mostra que esse panorama mudou: “Não existe mais fundo sociotécnico, mas sim a cena das mídias. As próprias bases do funcionamento social e das atividades cognitivas modificam-se a uma velocidade que todos podem perceber diretamente.” Termina dizendo:

“Entretanto, apesar de vivermos em um regime democrático, os processos sociotécnicos raramente são objeto de deliberações coletivas explícitas, e menos ainda de decisões tomadas pelo conjunto de cidadãos. Uma reapropriação mental do fenômeno técnico nos parece um pré-requisito indispensável para a instauração da tecnodemocracia. É para esta reapropriação que desejamos contribuir aqui, no caso particular das tecnologias intelectuais.”(Lévy,1993).

O livro A Vida Digital, do americano Nicholas Negroponte, um dos fundadores do Media Lab do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), é um exemplo do que seria a reapropriação mental do fenômeno técnico e a instauração da tecnodemocracia. Neste livro, lançado em 1995, o autor retratou as transformações ocorridas no final do milênio, com a introdução do computador no cotidiano da sociedade tecnocrata.

Negroponte assinalou como as comunicações de massa foram diretamente atingidas pelo uso da informática, formulando propostas inovadoras, que afetaram definitivamente a realidade jornalística, portanto do jornalismo científico e da divulgação científica:

“Imagine um jornal eletrônico entregue em sua casa sob a forma de bits. Suponha que ele seja enviado para um monitor mágico, flexível, luminoso, leve, sem fio, à prova d’água e da espessura de uma folha de papel”. Continua sua exposição, especificando o conteúdo de semelhante jornal, como instrumento de sedução para o consumidor.

“Mas e se uma empresa jornalística se dispusesse a colocar todo seu pessoal à sua disposição para cada edição do jornal? Tal edição misturaria manchetes de grande repercussão com matérias “menos importantes” sobre pessoas que você conhece e vai ver amanhã, e sobre lugares para os quais você está para ir ou dos quais acabou de voltar. Um jornal assim traria reportagens sobre companhias que você conhece. Na realidade, sob tais condições, você poderia até dispor a pagar mais por dez do que por cem páginas do Globe de Boston, contando que você confie que o jornal esteja lhe entregando o subconjunto certo de informações. Desse jornal, você consumiria cada bit (ou, literalmente, cada pedacinho). Pode chamá-lo de Minha Gazeta.” ( Negroponte, 1995)

Nos textos citados há um elemento comum, ou seja a constatação de que a tecnologia entrou para a vida cotidiana e propõe novas formas de pensar a relação Homem/Mundo. É inegável que para o divulgador científico esta relação, além de modificar seu contato com a sociedade, deve ser explicada em linguagem inteligível para a própria sociedade.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA
1 – KREINZ, Glória. “Em Busca do Infinito”, in A Espiral em Busca do Infinito, organizado por Glória Kreinz e Crodowaldo Pavan , V.I, Coleção Divulgação Científica, S. Paulo, NJR:ECA/USP,1998.

2 – NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital, S. Paulo, Companhia das Letras, 1995.

3 – KREINZ, Glória. Ideologia, Notícia e Mercado, A Pós-Modernidade Tecnocrata da Folha de S. Paulo. Anuário de Inovações em Comunicações e Artes, S. Paulo, ECA/USP,1991, p. 119.

4 – LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993.

5-LYOTARD, J. F. O Pós-Moderno. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1986.

Fonte:
http://www.geocities.com/revista_espiral/tecno6.htm