Geografia

Águas de Piraju – Estudo de caso de uma nova usina hidrelétrica

Por Rodnei Vecchia

Águas de Piraju,
Límpidas evaporam-se;
Nuvens de imensidão,
Pisos vermelhos de paixão.

Piraju, nome originário da expressão guarani que significa peixe (pira) dourado (yu), seu símbolo maior. Os dados mais concretos do início do povoamento da região são registrados somente a partir de 1859, quando da chegada da família Arruda, unindo-se às famílias Faustino e Graciano, que já habitavam a região. Essas famílias doaram um terreno para a criação do patrimônio denominado São Sebastião do Tijuco Preto.

Distante 330 quilômetros da capital do estado de São Paulo, a sudoeste do estado, Piraju tem clima temperado, suaves colinas e temperatura média de 21º.C. Com cerca de 29 mil habitantes distribuídos em uma área de 505 Km2, foi transformada em estância turística em 2002 e entrou para um seleto grupo de 29 municípios do estado.

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De acordo com dados do censo demográfico de 2000 e 2002 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Piraju foi classificado como município com baixos níveis de riqueza e bons indicadores sociais. Os níveis de longevidade e escolaridade ficaram acima da média estadual e o nível de riqueza, abaixo.

A Estância Turística de Piraju faz parte do Circuito das Águas Limpas e é banhada pelo rio Paranapanema. Estância turística é um título concedido pelo Governo do estado de São Paulo a municípios que apresentam características turísticas e determinados requisitos como: condições de lazer, recreação, recursos naturais e culturais específicos. Devem dispor de infra-estrutura e serviços dimensionados à atividade turística.

Os municípios com a condição de Estância, recebem recursos financeiros estaduais do Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias (DADE), para incentivo e desenvolvimento do turismo local. O rio com seu belíssimo entorno foi o diferencial que propiciou essa honrosa designação para Piraju.

O rio Paranapanema, de domínio federal, é o menos poluído do estado de São Paulo. É tão importante que tem o seu próprio dia, 27 de agosto, instituído pela Lei Estadual 10.488/99 do deputado Antônio Salim Curiati, sancionada pelo Governador Mário Covas. No idioma e na cultura tupi-guarani, o vocábulo paranapanema etimologicamente (parana + panema) significa “grande rio improdutivo”, pois o Paranapanema era considerado pelos autóctones um rio com poucos peixes. Contudo, revelou-se produtivo na geração de energia elétrica: concentra 5% da produção hidrelétrica nacional.

Tem 929 quilômetros de extensão, dos quais 90,6 quilômetros cortam o município da Estância Turística de Piraju. Nasce na Serra de Agudos Grandes, município de Capão Bonito, região sul do estado de São Paulo, 900 metros acima do nível do mar. Segue na direção do leste para o oeste, até desembocar no rio Paraná, em Porto São José, na divisa de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, onde sua foz está a 238 metros de altitude. Em Piraju encontra-se um trecho de 8 quilômetros de calha natural do rio, tombado por lei municipal em 2002, localizado entre a foz do ribeirão Hungria e a do ribeirão das Araras.

A declividade média total do rio Paranapanema, desde suas nascentes até a desembocadura no rio Paraná é de 61 cm/km, totalizando 570 metros. Não considerando os primeiros 100 quilômetros, onde o rio desce a serra de Paranapiacaba, a declividade média é de 43 cm/km, valor relativamente baixo para um percurso tão extenso.

O Paranapanema é pouco navegável, basicamente no baixo curso entre Euclides da Cunha Paulista e Terra Rica, a jusante da corredeira da Coroa do Frade, numa extensão de cerca de 70 quilômetros, contados a partir da foz do rio Paraná. Essa navegação é feita em caráter precário, pois em condições naturais a profundidade mínima neste trecho, em estiagem, é de cerca de 1,50 metro.

As matas da bacia do Alto Paranapanema escondem ao longo do leito do rio sítios arqueológicas bem conservadas da exploração do ouro e de missões jesuíticas no início do século 18, além de ruínas históricas de até 8 mil anos atrás. Em sua bacia, encontravam-se tribos de duas importantes nações indígenas brasileiras: os Tupis-Guaranis e os Jés. Marco importante na história do Brasil, o rio foi uma espécie de fronteira entre as Américas espanhola e portuguesa no início da colonização, e por isso abriga ao longo de suas sinuosas curvas um rico patrimônio histórico.

A fauna e a flora do entorno do rio foram muito comprometidas ao longo do tempo pela construção de barragens de hidrelétricas em vários pontos de seu leito. Apesar dessas intervenções antrópicas, continua bem servido de peixes, suas margens ainda tem muita proteção florestal e suas águas permanecem despoluídas na maior parte do seu curso. Mas tanto em sítios arqueológicos, quanto em flora e fauna, ainda há muito que se estudar e descobrir.

4.1 Piraju foi vanguarda
Piraju já foi cidade de vanguarda nacional por conta de alguns eventos importantes: promulgação da lei que libertava completamente os escravos do município cerca de quatro meses antes da Lei Áurea; inauguração da energia elétrica em 30 de setembro de 1905, um ano e meio antes da capital brasileira à época o Rio de Janeiro, com energia fornecida pela recém inaugurada Usina Monte Alegre, distante cinco quilômetros da cidade.

Também em 1905, esses palcos de vanguarda assistiram a inauguração da rede de água encanada, da rede de esgoto e do telefone. Em 1906, começou a operação do ramal ferroviário, inaugurado em 1908, e em 1913 ocorreu a implantação dos bondes elétricos. No século passado, a importância da cidade produziu nomes de influência na política paulista, entre os quais o General Ataliba Leonel.

À época, políticos e cafeicultores trouxeram várias melhorias para a região, como a Estação de Trem, cujo projeto foi assinado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, maior expressão da arquitetura brasileira do início do século. XX. Em 1913, para coroar esse período áureo, recebeu a visita do presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt.

Usinas hidrelétricas sempre estiveram presentes de forma marcante ao longo da história do município. O aproveitamento de seu potencial energético teve início já na primeira década do século XX. Para atender a uma economia cafeeira em expansão, em 1913 começou a funcionar a Usina Boa Vista, na Fazenda Santa Maria. Essa unidade fornecia energia inclusive para uma linha de bonde elétrico com 26 quilômetros de extensão, entre o ramal da Sorocabana e Sarutaiá, passando pelas ruas da cidade.

Em 1932, após sete anos de obras, entrou em operação um projeto de grande porte para a época, a Usina Hidrelétrica Paranapanema com 140 metros de comprimento, queda de 16,8 metros e área inundada de 1494 Km2. A barragem encontrava-se no perímetro urbano da cidade e alagou um trecho do rio Paranapanema que separava a Vila Tibiriçá da área central de Piraju. Na década de 60, foi a vez da Usina Hidrelétrica Jurumirim, localizada à montante da UHE Paranapanema. À época estava entre as maiores usinas do país, com uma área inundada equivalente a quatro vezes a Baía da Guanabara.

Em tempos recentes, a cidade estagnou seu desenvolvimento e são raros fatos de significativa expressão. Um deles é a atribuição do Selo Verde a municípios que implantam e conservam serviços ambientais, programa do Governo do estado de São Paulo. Menos de 10 % dos 645 municípios do estado receberam esse selo, em avaliação realizada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente no ano de 2008. A partir da avaliação de setores como recuperação de mata ciliar, esgoto tratado, lixo, arborização urbana, educação ambiental, uso da água e poluição do ar, a secretaria estabeleceu um ranking ambiental e avaliou 332 cidades.

Cada município foi classificado com uma nota, que variou de zero a 100. O município com a mais baixa qualidade ambiental é Rincão; a capital do estado, São Paulo, obteve classificação intermediária, ficando em 1000º. lugar, com nota 63,66; e nenhuma cidade do litoral do estado recebeu o certificado. Apenas 44 cidades, todas do interior, obtiveram médias acima de 80, suficientes para receber o certificado de “Município Verde”. Segundo o ranking, Santa Fé do Sul tem a melhor qualidade ambiental do estado, seguida por Angatuba, Gabriel Monteiro, Santa Rosa do Viterbo e Piraju, em um honroso quinto lugar.

Piraju com orçamento anual de cerca de R$ 55 milhões, gera com suas usinas 210 MW de potência e faturamento anual de aproximadamente R$ 700 milhões, contra cerca de R$ 350 milhòes oriundos do café, por muitos anos o setor produtivo propulsor da economia local. A cidade das usinas hidrelétricas não consegue obter delas recursos para se desenvolver.

4.2 A formação da consciência ambiental pirajuense
Após a inauguração da Usina Paranapanema e da Usina Jurumirim, os habitantes de Piraju puderam desfrutar da bucólica calma das águas represadas, que produziu magníficas paisagens. Esse fator, associado ao culto diário às ímpares belezas naturais locais interagiram para a construção de uma sólida consciência ambiental de preservação do rio Paranapanema e todo seu entorno.

O ser humano possui a capacidade de racionalizar questões, assimilá-las e, com a experiência passada, encontrar soluções baseadas em observações próprias. Com o conhecimento adquirido constrói toda uma sequência lógica, que possibilita superar uma determinada dificuldade e transmitir a experiência vivenciada para novas situações, formando uma cadeia de progresso que solidifica ideias e une seguidores. Esse processo contínuo forma grupos coesos e fortes, tornando-os aptos e com legitimidade para enfrentar novos desafios em nome da coletividade.

Alguns pirajuenses começaram a articular a partir da década de 1980 demandas ambientais, em especial de preservação dos espaços de lazer que conheceram e desfrutaram na infância e na adolescência. Até então, a questão ambiental havia ficado à margem no processo de desenvolvimento da cidade e também de todo o mundo.

Na década de 1990, amadureceram novas formas de gestão dos recursos hídricos. O período foi muito rico na criação e transformação de instituições nas três esferas de governo. Observou-se também a estruturação de um marco jurídico que previa maior transparência e participação dos cidadãos nos processos decisórios.

No âmbito federal foi sancionada a Lei nº 9.433/97, que instituiu o Plano Nacional de Recursos Hídricos, e sancionado o Decreto nº 2.162/98, que criou o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. A Agência Nacional de Águas (ANA) passou a ser responsável pela emissão de outorgas de uso dos recursos hídricos, bem como de concessões preliminares para uso, como as reservas de disponibilidade hídrica.

No plano estadual, foi sancionada a Lei nº 7.663/91, que instituiu a Política Estadual de Recursos Hídricos e criou o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A partir de 1995 criou-se diversos comitês de bacias, inclusive com a criação, em 1996, do Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema.

No plano municipal o poder público sancionou duas leis importantes para a questão socioambiental. Em julho a Lei nº 1.752/92 que criou o Conselho Municipal do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural do Município de Piraju. Posteriormente, em dezembro do mesmo ano promulgou-se a Lei nº 1.789/92 que autorizou o Executivo a firmar convênio com a Associação de Defesa da Qualidade de Vida de Piraju (Adevida). Além dessas medidas legais, na gestão do prefeito Pansanato (1993-1996) criou-se a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, medida importante para a implementação de novas posturas socioambientais públicas do interesse da comunidade.

O paradigma hidrelétrico ambiental de Piraju foi, então, gradualmente se formando ao longo do século XX e fortaleceu-se no final da década de 1990, quando a CBA, empresa do grupo Votorantim, um dos maiores grupos empresariais do Brasil, planejava construir uma nova usina em Piraju. O projeto contemplava o desvio do rio Paranapanema e diminuiria sua vazão no trecho urbano de 300 m3 por segundo para 10 m3 por segundo.

A CBA, com sede na cidade de Alumínio, é uma indústria integrada de alumínio que produz cerca de 60% da própria energia elétrica que consome, grande parte no regime de autoprodução, motivo de muitas controvérsias. A figura do autoprodutor foi definida pelo Decreto Presidencial 2003 de 10 de setembro de 1996 e indica que a outorga de concessão ou de autorização ao autoprodutor estará condicionada à demonstração, perante o órgão regulador e fiscalizador do poder concedente, de que a energia elétrica a ser produzida será destinada a consumo próprio, atual ou projetado. O regime de autoprodução considera a geração de energia não como uma mercadoria de comércio, mas como um insumo para a atividade do autoprodutor, pois ele produz para seu próprio consumo.

Dessa forma, segundo o princípio que o fundamenta, o autoprodutor deixaria de consumir a energia do sistema público, e este ganharia uma folga. Por essa via, ampliar-se-ia a oferta sem o emprego de recursos públicos. As usinas hidrelétricas licitadas para o regime de autoprodução na verdade subtraem do sistema público a desejável ampliação da oferta, pois a atual legislação permite que o bem público representado pelo rio possa ser apropriado para responder a necessidades de natureza privada, no sentido estrito do termo.

Um grupo de ambientalistas locais, contrários ao projeto original, informou-se junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA) que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da denominada Usina Piraju já havia sido concluído e com parecer favorável. Mas os ambientalistas tinham conhecimento de algumas mudanças institucionais no âmbito federal. Passaram então a denunciar a condução ilegal do processo, tendo em vista a obrigatoriedade de se realizar audiências públicas para a obtenção da licença ambiental da nova usina.

Mobilizaram-se e obtiveram apoio da mídia para a divulgação dos eventos que programavam. Influenciaram também a Câmara de Vereadores, que realizou uma série de sessões destinadas a discutir o projeto. Com a adesão cada vez maior da comunidade, as ideias lançadas receberam o apoio da Maçonaria e, posteriormente, da Organização Pirajuense de Educação e Cultura (OPEC). A Delegacia Regional de Ensino também se engajou e promoveu palestras nas escolas da rede pública.

A população tomava ciência das partes do EIA constantes no processo, e muitos questionamentos sobre a construção da Usina Piraju passaram a ter conotação política. O resultado desse embate foi a alteração do projeto por parte da CBA, que o adequou para minimizar os impactos ambientais e sociais, após intensa negociação com a comunidade. No ano de 2002, a CBA concluiu a denominada Usina Hidrelétrica Piraju, após dura e intensa negociação com a comunidade.

Antes mesmo da conclusão da Usina Piraju, a CBA deu início aos trâmites legais e burocráticos para a construção de outra hidrelétrica no município, a UHE Piraju II. O projeto da CBA previa a construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH), com geração de 28,5 MW de energia que alagaria uma área de 1,4 quilômetro quadrado, com extensão de 4,5 quilômetros. Localizada a jusante da UHE Paranapanema, a obra inundaria o último trecho não represado do rio Paranapanema e aumentaria em cerca de 25 metros as margens originais do rio.

Esse fato mobilizou de forma sensível um grupo de ambientalistas locais, que empreenderam uma verdadeira batalha contra o andamento do projeto. O Instituto Ambiental Vidágua coletou assinaturas de mais de uma centena de ONGs durante o encontro da Rede de ONGs da Mata Atlântica em São Paulo e durante o encontro do Fórum Brasileiro de ONGs. O projeto foi então indeferido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo em 2003, devido a dados técnicos constantes no Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

Durante a construção da Usina Piraju em 2002, a CBA, errou o cálculo da área alagada pela represa. A Câmara dos Vereadores elaborou, então, um conjunto mais rigoroso de leis de proteção ao rio. Uma das mais importantes é a lei do interregno, que impede a construção de novas usinas hidrelétricas sem que a anterior tenha completado 20 anos, de modo que os impactos ambientais possam ser devidamente apurados pela comunidade. Instituiu também o tombamento do rio Paranapanema, considerado patrimônio público.

Após essas legislações restritivas, a implantação da PCH Piraju II deixou de ser prioridade da CBA. Além disso, o processo de licenciamento foi indeferido pelo Departamento de avaliação de Impacto Ambiental (DAIA), órgão da Secretaria de Estado Do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SEMA), em 12/06/2003.

A justificativa foi o fato de a obra prevista ser incompatível com as normas municipais vigentes, o que impossibilita emissão de certidão de uso de solo pela prefeitura de Piraju, decisão ratificada pela Resolução ANA 212 de 15/05/2006. Até que em 10 de dezembro de 2008 a CBA enviou à Aneel a carta no. 40/0902/08 comunicando não lograr êxito na expedição pela prefeitura de Piraju da certidão de uso e ocupação do solo e dessa forma não ter mais como impulsionar licenciamento ambiental da PCH.

Como pano de fundo nesse cenário, estava em construção o Plano Diretor de Piraju. Longos debates, inúmeras audiências públicas, participação de mais de 70 líderes representando todas as tendências e interesses da comunidade. Decidiu-se por ampla maioria de seus munícipes que a vocação da cidade seria o turismo atrelado ao desenvolvimento sustentável, incluindo seu ímpar diferencial, as suas águas territoriais. Piraju acabava de receber a alcunha de estância, justamente pelas suas belezas naturais e pelo rio Paranapanema, e passaria a receber por isso recursos do estado.

O Pano Diretor prevê que as águas de Piraju devem ser preservadas no sentido cultural e natural, e destinadas à realização de planos e projetos de desenvolvimento turístico, cultural e de lazer, com o fim de transformar a cidade em uma estância de águas. Ficou claro a rejeição por novas usinas na região, posto que muito pouco contribuíram para o desenvolvimento local e chocavam-se com essa vocação turística sustentável acordada pela maioria dos pirajuenses e transformada em lei.

A costura política liderada por esses ambientalistas pirajuenses construiu, portanto, uma sólida barreira a novos entrantes com intenções de mexer na rica natureza local. Atualmente há uma plêiade de organizações não governamentais na cidade que utilizam amiúde as redes sociais para discutir questões de interesse da coletividade, principalmente a proteção do rio Paranapanema e seu entorno.

Adevida, Organização Ambiental Teyquê-pê (OAT), Chega de Usina, Transpira e Piraju Cidade Jardim são alguns exemplos de como é possível engajar-se e participar com poder de influência nas decisões sobre o futuro de uma comunidade. O movimento de preservação ambiental de Piraju certamente vai ficar registrado como um dos capítulos mais importantes da história do município e quiçá do país.

4.3 A Bacia Hidrográfica do Paranapanema
Com o processo de redemocratização, expresso em sua lei maior, a Constituição Federal de 1988, o Brasil começou a desenvolver políticas públicas pautadas em princípios de descentralização e de participação, principalmente nas políticas voltadas para o sistema educacional, sistema de saúde e o ambiental. Todo esse processo de construção envolvia a participação da sociedade civil, num modelo descentralizador, ou seja, as decisões teriam a participação da sociedade dentro dos chamados conselhos gestores.

A degradação ambiental antrópica causada aos recursos naturais, entre os quais a água, provocou a elaboração de diversas políticas ambientais com enfoque na sustentabilidade. A água constitui elemento necessário para quase todas as atividades humanas. Trata-se de um bem precioso, de valor tangível e intangível, que deve ser a qualquer custo conservado e protegido. Quando passa a ser visto como um bem essencial e reconhecidamente finito, desenvolve-se a ideia da necessidade de seu planejamento e gerenciamento, tendendo a constar mais fortemente nas agendas dos mais diversos níveis territoriais e políticos.

Ao expandir o horizonte da gestão, a visão totalmente setorizada do uso da água para a geração de energia elétrica sob supervisão do Estado, cedeu lugar para uma política pautada nos princípios norteadores da descentralização e participação, de modo que as decisões fossem tomadas de maneira horizontal. Por meio da Lei Federal nº 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou-se mecanismos para uma gestão do recurso hídrico mais favorável a parcerias e mais transparente, de modo que a sociedade civil pudesse ser um agente transformador e tomador de decisão ao lado do Estado e dos múltiplos usuários.

Surgiram então os Comitês de Bacias Hidrográficas, parte do Sistema Nacional e Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Constituem-se em fóruns consultivos e deliberativos sobre quaisquer ações que possam afetar o recurso de uma bacia hidrográfica. São organismos que unem sociedade civil, usuários e poder público para decidir juntos o que querem em relação a gestão de suas bacias hidrográficas, compatibilizando os usos múltiplos de acordo com as diversidades regionais e realizando o planejamento para a execução de suas decisões.

As principais funções dos Comitês de Bacias, descentralizados e participativos, são promover o debate das questões relacionadas com os recursos hídricos entre usuários, sociedade civil e poder público, aprovar o plano de recursos hídricos da bacia e acompanhar sua execução, resolver os conflitos dos usuários em primeira instância, propor projetos e programas que visem a sustentabilidade da bacia hidrográfica e estimular a criação de subcomitês e consórcios intermunicipais.

A participação efetiva da sociedade civil nesses órgãos colegiados é de fundamental importância, pois esses organismos se tornaram um canal aberto de interlocução e discussão, devido à clara possibilidade da sociedade organizada defender os interesses da coletividade na função de desenhar as diretrizes de uma bacia hidrográfica de forma eqüitativa para alcançar a sustentabilidade sócio-ambiental e econômico, no entanto, o princípio da gestão descentralizada, integrada, colegiada e participativa, ainda está no seu início e os entraves são significativos e diferenciados.

Uma das bacias mais expressivas do Brasil é a Bacia do Rio Paranapanema, que abrange um total de 247 municípios (220 com sede na bacia), dos quais 132 no Estado do Paraná e 115 em São Paulo. A população total da bacia é de 4.282.202 habitantes, dos quais 62% do lado paranaense e 38% do lado paulista.

A Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, onde se insere Piraju, faz parte da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos 14 (UGRH 14), composta por 34 municípios da porção paulista da bacia. É um referencial hídrico, com uma área de 22.500 km2 e população aproximada de 760 mil habitantes.

Os municípios que compõem essa bacia tem em sua maioria uma população abaixo de 30 mil habitantes, e os mais populosos são, pela ordem: Itapetininga, Itapeva, Capão Bonito e Itararé. A bacia é composta pelos rios Paranapanema, Apiaí-Guaçu, Taquari, Itapetininga, Capivari, Verde, Itararé e Ribeirão das Almas. O processo de ocupação dessa região foi bastante influenciado pela situação geográfica e pela facilidade de transporte via férrea (Sorocabana), que favoreceu algumas culturas, principalmente o café.

Mapa da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos 14 – UGRH 14

O Inventário de Cobertura Florestal do Estado de São Paulo aponta um total de 2.064.300 hectares de florestas na Bacia do Alto Paranapanema. Desta área 297.910 hectares são de vegetação nativa e 36.748 hectares são Unidades de Conservação. O município com maior vegetação remanescente é Capão Bonito, com 49.579 hectares; Piraju possui 60.300 hectares de florestas, sendo 5.372 hectares de vegetação nativa.
Na Bacia do Alto Paranapanema, empresas como a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e a norte-americana Duke Energy Geração Paranapanema S/A, detém contratos de concessão para exploração energética hídrica. A economia da região é baseada na agropecuária, com destaque para as culturas de café, algodão, cana-de-açúcar, milho e feijão. A geografia local possui quatro hidrelétricas em pleno funcionamento: Jurumirim (98 MW), Chavantes (414 MW), Paranapanema (32 MW) e Piraju (80 MW).
Entre os meses de março e abril de 2010, o município de Piraju recebeu cerca de trezentos mil reais de repasse da Aneel, referente às hidrelétricas que impactaram diretamente no município. O município, maior prejudicado por barragens, tem que buscar recursos para projetos sociais e ambientais que minimizem a degradação ambiental pelo qual passa essa bacia, tais como assoreamento do rio, ocupação desordenada das margens e poluição da água por efluentes.

Se por um lado o atrativo turístico contribui com a economia de alguns municípios, por outro aumenta a degradação ambiental da região na medida em que as áreas no entorno dos rios que compõem a bacia são exploradas, resultando no desmatamento e, consequentemente, supressão da proteção da mata ciliar, além da poluição da água com o aumento da geração de lixo e esgoto. Há um crescente incremento no volume de esgoto lançado no rio, fato diretamente relacionado com o crescimento populacional ao longo da bacia e a falta de investimentos em saneamento básico.

Para contribuir com a qualidade ambiental da bacia e mais especificamente no entorno da Usina Hidrelétrica Piraju é necessária a elaboração de projetos socioambientais que visem um reflorestamento acelerado das áreas de proteção permanente, por meio de atividades de arborização, compromisso, aliás, assumido pela CBA antes da construção da usina. Também é necessária uma fiscalização assídua sobre o processo de ocupação de moradias às margens do rio, que contribuem com a supressão da mata ciliar. O monitoramento mais eficaz do assoreamento pelo qual o Rio Paranapanema vem passando também é um fator prioritário para a qualidade desta Bacia.

O estudo sobre o processo de assoreamento, a qualidade da água e as formas de recomposição da mata ciliar podem ser propostos às empresas que gerenciam a geração de energia no Alto Paranapanema. A Compensação Financeira proveniente da hidroeletricidade gerada pelas usinas da região pode financiar esses projetos de pesquisa e desenvolvimento em âmbitos federal e estadual.

A elaboração de uma política pública municipal transparente, com foco socioambiental, também é necessária de modo a criar mecanismos pontuais de fiscalização e monitoramente e, assim, direcionar os recursos recebidos para uso efetivo em projetos de mitigação de impactos sociais e ambientais. As informações sobre a compensação financeira embolsada e seu destino não são claramente divulgadas à população.

Piraju não apresentou nenhum projeto de melhoria ecológica no entorno da bacia. O recurso financeiro de uma forma ou de outra pode ser disponibilizado. Em 2012 deve-se iniciar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos da bacia do rio, tarefa cuja implantação é da alçada do comitê da bacia. Cabe então às autoridades desenvolver bons projetos, com diagnósticos corretos e agrupar gestores para executá-los.

4.4 O que está em jogo agora
A história novamente se repete. Em 2011 a Energias Complementares do Brasil Geração de Energia Elétrica S/A, ora denominada EC Brasil, empresa com sede em Porto alegre, estado do Rio Grande do Sul, constituída em 01/12/2006 com capital social de R$ 1,45 milhão, desconhecida nacionalmente e sem nenhuma expertise na área de hidrelétricas, apresentou proposta de construção de Pequena Central Hidrelétrica (PCH) em Piraju. A obra foi orçada por essa empresa em R$ 160 milhões, com potência instalada de 28,5 MW e reservatório de 0,6 km2. O local para instalação da nova usina é justamente o mesmo objeto de desejo da CBA no passado, projeto devidamente rechaçado pela comunidade.

A EC Brasil identificou a importância do esporte de canoagem para o município e oferece como contrapartida à construção da usina, a implantação de um projeto denominado Centro Aquático Internacional de Aventura. É um parque aquático com pista artificial de slalom, dimensões olímpicas e outros atrativos esportivos e de lazer, seguindo padrões internacionais, nos moldes de um que já existe na cidade de Golden, no Estado do Colorado nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, como no Parque Markkleeberg, na Alemanha.

Trecho do rio Paranapanema tombado com projeção de área a ser alagada

Os investimentos para construção do parque estão orçados pela EC Brasil em 10 milhões de reais. A expectativa é que o parque transforme-se em área de lazer, possa ser usado todo o ano, possibilite a geração de emprego e renda para a população local e aumente a geração de receitas do município a partir do crescimento do setor de serviços que estarão vinculados ao complexo turístico e esportivo.

4.5 Fazer ou não uma nova usina?
O fato de a energia hidrelétrica ser limpa, renovável e segura não significa que qualquer projeto tenha predominância de impactos positivos- cada caso um caso. Há que se estudar e, especificamente em Piraju, a proposta de uma PCH gera muitos questionamentos e dúvidas, mas há respostas convincentes para a maior parte das questões. Senão vejamos.

Último trecho de calha natural do rio Paranapanema, é nesta paisagem deslumbrante que se encontram quedas d’água, corredeiras e mata ciliar primária remanescente do bioma Mata Atlântica. Essa mata, área de preservação permanente (APP), protege as margens do rio e cria condições para proteção das águas e para o desenvolvimento da biota local. No Parque do Dourado há diversas espécies nativas da flora brasileira e dezenas de pássaros raros, entre outras preciosidades da natureza.

A região da bacia do Paraná, e especificamente do rio Paranapanema estão bem servidos de energia e na verdade “exportam” eletricidade para outras regiões do país. O rio Paranapanema é um dos rios que mais energia produz para o Brasil, 5% do potencial brasileiro. Suas onze usinas têm capacidade instalada de 2580 MW, suficientes para abastecer uma cidade do porte do Rio de Janeiro por um ano. Piraju, em particular, já contribui e em muito com a sociedade brasileira no fornecimento de energia.

A Usina Piraju II, construída pela CBA, empresa de porte internacional que atende o mercado brasileiro e demandas do exterior, teve como principal função enviar energia elétrica para manter 5.500 empregos na indústria de alumínio da empresa na cidade de Alumínio, 17.000 habitantes, distante 83 quilômetros da capital paulista.

Agora cabe às autoridades brasileiras devolverem benefícios que incrementem o desenvolvimento econômico de Piraju. Um deles é o repasse do ICMS do consumo de energia que é creditado ao município de Alumínio, apesar de o gerador dessa energia estar em Piraju, processo similar ao ocorrido no caso Ibarana/Promissão.

A CBA comprometeu-se com diversas intervenções quando da construção da Usina Piraju, entre as quais geração de empregos permanentes, reforma do hospital local, reflorestamento de área afetada pela obra com espécies nativas, oficinas de educação ambiental, desenvolvimento de sítio arqueológico em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), monitoramento da fauna local por 2 anos, acertos com os ribeirinhos desalojados.

No entanto, após a conclusão da obra da Usina Piraju, muitas obrigações compromissadas estão ainda incompletas. Há várias demandas de ONGs locais, cobrando cumprimento das contrapartidas da CBA. A separação da CBA e CPFL em Piraju provoca demissões de muitos trabalhadores locais. Como contrapartida, montou-se uma fábrica de manutenção de geradores para usinas hidrelétricas e uma fábrica de postes no município. A empresa de manutenção de geradores já está fechada e as demissões continuam.

Para o desenvolvimento da cidade a médio e longo prazos não é estratégico para Piraju a construção da usina no local proposto. Piraju consome por volta de 3.700 MWh, e as três usinas instaladas na cidade têm capacidade instalada de 210 MW, suficientes para atender mais de 20 cidades do mesmo porte durante um ano inteiro. Além do mais, no local pretendido há rica biodiversidade que será seriamente afetada e de forma irreversível, comprometendo uma série de serviços ambientais prestados gratuitamente pelo rio.

Área afetada pela nova usina, com projeção da pista de slalon

Estratégico para Piraju, portanto, é preservar intacto seu maior patrimônio, o rio Paranapanema e nele desenvolver projetos de turismo sustentável. Fosse outra a situação, qual seja, caso o município estivesse seriamente ameaçado por falta de energia que comprometesse o bem-estar de seus habitantes e do entorno, poder-se-ia analisar essa obra sobre outro enfoque. A tendência a médio e longo prazos é ter-se disponibilidade de novas fontes renováveis e limpas, como a energia solar, eólica e das marés, em patamares baixos é verdade, mas o potencial instalado da PCH também é pequeno e pode ser coberto por outras fontes, sem prejuízo da segurança energética brasileira.

A EC Brasil não é uma empresa com suporte financeiro e com expertise suficiente para a obra e suas consequentes derivações ambientais de contrapartidas. O histórico de apenas cinco anos de vida dessa empresa é mais afim com energia eólica, nunca executou nenhuma obra de usina hidrelétrica e nessa área é uma ilustre desconhecida.

Uma usina altera paisagens de forma irreversível e exige compromissos de longo prazo, séculos. É uma temeridade entregar parte do maior patrimônio da cidade a uma empresa de pouca ou nenhuma expressão nacional na área. Os estudos preliminares e as respostas apresentadas pela EC Brasil aos pirajuenses denotam desconhecimento, despreparado e análise superficial da realidade econômica, social, histórica e ambiental do município.

A canoagem é muito importante para Piraju, mas não estratégica para seu desenvolvimento e de nenhum município, a ponto de enterrar para sempre a última calha natural do rio em troca de uma pista de slalon. A cidade não pode depositar somente nessa atividade o seu futuro esportivo e esquecer-se de outras práticas também importantes. Nações que depositaram todas as suas fichas somente no petróleo sofreram da doença holandesa e obtiveram atraso econômico. Ademais, há áreas da cidade onde já se pratica a arte da canoagem em alto nível e há outras opções de locais para construir uma pista de slalon, como o projeto da Usina Jurumirim, sem necessariamente ter que se construir uma nova usina.

Projeção de pista de slalon e escada para peixes na Usina Jurumirim

Construir uma pista moderna de slalon é a princípio interessante para a região e para seus esportistas, mas esse projeto suscita muitos questionamentos. O calendário da canoagem é pequeno e o esporte tem pouca penetração no país, daí os questionamentos. Quais os impactos ambientais no entorno da APP com essa obra? Quantos eventos irão ocorrer ao longo do ano no local? Terá demanda suficiente para ser um empreendimento economicamente viável que atraia interessados? Quem vai administrar esse complexo? As respostas certamente não são muito alvissareiras.

Já existe em Itaipu a melhor pista de slalon da América do Sul, onde se realizam todos os eventos importantes do país. Piraju já sediou um evento nacional em suas corredeiras naturais, considerada aliás uma pista de alto grau de dificuldade. Na Olimpíada de 2016 as competições de velocidade serão realizadas na lagoa Rodrigo de Freitas. Por que não na lagoa Paranapanema?

Pista artificial de Slalon de Itaipu

O que vai acabar acontecendo é que um projeto interessante vai ficar abandonado, como já está o Complexo Esportivo Cidade dos Esportes construído no Rio de Janeiro para os jogos pan-americanos de 2007, como estão abandonados os estádios de futebol construídos na África do Sul para a Copa do Mundo de 2010, e muitos outros exemplos de obras grandiosas em grandes cidades.

A obtenção de resultados de excelência em modalidades esportivas de alto nível só é possível com a execução de projetos bem estruturados com forte incentivo público e/ou privado, em perspectivas de longo prazo. A canoagem é um esporte elitista, cuja prática exige equipamentos e acessórios dispendiosos – só os barcos têm preços que variam de R$ 4,5 a R$ 10 mil.

O Brasil não tem tradição de investir continuamente em esportes de alto nível. Há diversas histórias de modalidades esportivas que tiveram seu auge e declinaram por conta de falta de apoio financeiro e retorno comercial. Pode-se citar diversos exemplos nas modalidades de basquete, vôlei, e mais recentemente o futebol de salão do Santos Futebol Clube, ora campeão brasileiro, que foi extinto.

A canoagem brasileira conta com 1.700 atletas confederados em 16 estados e 104 associações, com cerca de 30.000 praticantes. Os principais centros de treinamento encontram-se em São Bernardo do Campo, Caxias do Sul, Rio de Janeiro e Foz do Iguaçu. A Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) anunciou em 2011 patrocínio de RS10 milhões por ano oriundos do BNDES, ora disposto a investir na modalidade até 2016. Porém a liberação da verba esbarrou em dívidas da entidade que não conseguiu sacar os recursos via Lei de Incentivo ao Esporte.

Nesse cenário de dúvidas, quem pode viabilizar esse projeto de longo prazo é o Governo Federal, que terá um dispêndio previsto de R$ 33,5 bilhões para sediar as Olimpíadas de 2016 no Brasil. Na canoagem disputa-se 16 medalhas de ouro, sendo 4 no slalon e 12 em canoagem de velocidade. O que o poder público tem que responder é quanto vale a pena investir para buscar 4 medalhas de slalon e quanto desse investimento pode ser feito em Piraju, a fim de fornecer infraestrutura e apoio para que os atletas brasileiros busquem essas medalhas. E é fundamental que autoridades pirajuenses mantenham viva a atividade de canoagem no município, mas o futuro parece inglório.

A PCH não vai gerar recursos financeiros diretos ao município, somente poucos recursos do ICMS. A cidade não receberá a Compensação Financeira, pois esse encargo só é repassado onde há usinas com potencial superior a 30 MW. As outras usinas instaladas no município pelo menos geram um valor mensal perpétuo, cujos recursos podem ser canalizados para o turismo. Então, caso um dia seja irreversível para a cidade ter outra usina nesse trecho ora tombado, que seja com potencial superior a 30 MW para que se receba a compensação financeira, e não que os empreendedores fiquem com os louros dos inúmeros benefícios econômicos de uma PCH.

Aliás, em relação ao ICMS, até hoje há questionamentos sobre o correto repasse desse imposto aos municípios no que tange ao comércio de energia. A cidade de Ubarana, no estado de São Paulo teve ganho de causa em 2009, numa demanda que durou 15 anos contra o município de Promissão, para receber o ICMS gerado em sua usina e era recolhido em Promissão.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu em 2009, pelo critério de territorialidade, que o ICMS recolhido sobre circulação de energia elétrica cabe ao município onde se localiza o gerador energético, no caso Ubarana e não Promissão, onde está a sede administrativa da usina. Piraju deve ir atrás dessa jurisprudência para obter recursos que porventura estejam sendo desviados para outros municípios favorecidos.

Um novo empreendimento elétrico vai gerar empregos na cidade, mas a geração de empregos de PCHs é insignificante e em sua maioria, temporário. Na etapa de estudos e projetos, há aproximadamente 120 pessoas envolvidas, mas em sua maioria contratados temporariamente e fora do município. Na fase de obras, com duração média de 2 anos e meio, trabalham aproximadamente 300 pessoas, em sua maioria mão de obra de pouca qualificação que vem de outros locais e após concluída a usina, vão se embora. O pico da demanda por essa mão de obra dura no máximo um ano e depois segue em uma curva decrescente, até a conclusão da obra. Na etapa de operação, manutenção e controles administrativos, trabalham em média 30 profissionais e, destes, somente 3 de nível superior (1 engenheiro, um gerente geral e 1 gerente de operação). Ademais, não necessariamente estes trabalhadores têm que estar fisicamente no município, já que há tecnologias que permitem que muitas barragens sejam operadas de forma remota.

Haverá benefícios de lazer e turismo com o novo lago, por outro lado, já há dois outros lagos rio acima, na Usina Paranapanema e na Usina Piraju que até hoje gerou poucos recursos ao município. Tentou-se dar um uso similar ao que ocorre no rio Mississipi, nos Estados Unidos, onde há passeios de barco com música ao vivo, mas o empreendimento não foi adiante. Por outro lado, a formação da barragem irá descaracterizar a paisagem natural e tornar inviável outros usos futuros, como visitações turísticas na calha original do rio.

Há formas de compensar alguns danos ambientais da nova usina, mas há transformações irreversíveis na paisagem e hidrologia que mudam as condições de flora, fauna, regime pluvial e até o clima local. O balanço ambiental de uma usina é sempre negativo e, nesse caso, potencializado pelo fato do projeto em análise estar dentro do perímetro urbano do município e por à montante já existir duas outras usinas, que em cascata aumentam sobremaneira os danos ambientais.

O município irá se beneficiar socialmente com a obra, por meio de geração de empregos diretos e indiretos e área de lazer diferenciada. De outra forma, a água represada no perímetro urbano pode acarretar problemas de saúde, como febre amarela e leishmaniose, entre outras. O enorme contingente de trabalhadores traz em seu rastro considerável aumento de consumo de álcool e drogas. Há também incremento da prostituição, das doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez de adolescentes.

A nova usina não trará nenhum benefício cultural, pelo contrário, irá se inundar para sempre um trecho de sítios arqueológicos e o único trecho de calha natural do rio. As futuras gerações certamente irão questionar os embasamentos da decisão das atuais gerações de se construir essa obra – para o bem ou para o mal.

Essa represa não melhora a capacidade estratégica de armazenamento de água. Já há duas usinas rio acima com capacidade muito maior além do que essa PCH será construída a fio d água, ou seja, com pequeno reservatório. Quanto à proteção de águas subterrâneas, o pântano que se forma com depósitos de sedimentos pode até ser prejudicial para o aquífero Guarani.

Para a construção do empreendimento faz-se necessário revogar diversas leis e posturas municipais de proteção ao maior patrimônio pirajuense. São elas:
– a Lei que instituiu o Plano Diretor (2792 de 08/06/2004), e define que a área pretendida para usina é considerada de preservação ambiental e para desenvolvimento do turismo, além de preservar uma faixa de 500 metros ao longo das margens do rio; – a Lei Orgânica do Município de Piraju, que impede a construção de novas usinas hidrelétricas no rio (artigo 187); – a Resolução do conselho Municipal de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (01/2002 de 02/08/2002), que tomba 7 quilômetros do trecho de calha natural do rio por ser dotado de elementos de valor cênico, paisagístico e cultural para a comunidade;

– a Lei do Interregno, (2654 de 12/09/2002), que fixa o prazo de 20 anos para se discutir ou não a construção de novas usinas hidrelétricas;

– a Lei de Criação da Unidade de Conservação de Proteção Integral (2634/2002 de 26/06/2002), que criou o Parque Natural Municipal do Dourado;

– as diretrizes da política municipal de meio ambiente, do Sistema Municipal de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural de Piraju (SISMMAP), que definem o rio como patrimônio dos cidadãos.

Ainda que a sociedade pirajuense decida abrir mão de todo esse importante cabedal institucional em face de uma nova usina em suas águas, deve-se obter a aprovação estadual pelos EIA/RIMA e vencer o artigo 196 da Constituição do Estado de São Paulo que inclui o vale do rio Paranapanema dentre os espaços territoriais especialmente protegidos, para assegurar a preservação ambiental.

Há que se obter também aval do Instituo Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), visto que o rio Paranapanema é de legislação federal. Nesse âmbito, está em vigor a lei do Código Florestal de 1965, ampliada pela Lei 7.511 em 1986, que define como área de preservação permanente (APP) faixas que vão de 30 a 200 metros ao longo de cursos d’água. A obra de uma nova usina fere também o comprometimento internacional do Brasil como signatário da Convenção de RAMSAR, ratificada pelo Decreto 1905/1996, onde o país se compromete com o desenvolvimento de uma política especial de proteção de zonas úmidas.

O arcabouço institucional municipal é o retrato da formação da consciência ambiental do povo pirajuense ao longo de décadas. Os temas ambientais são espinhosos e foram discutidos à exaustão pela comunidade, poderes constituídos e devidamente aprovadas pela vontade soberana e democrática da maioria da população. Em um regime político democrático, esse status ambiental pode mudar desde que a maioria do poder legislativo e o executivo assim entendam, mas nunca sem antes ouvir a voz da coletividade que já se mostrou, em sua maioria, contrária a novas obras de usinas na região.

Tudo indica que a maior parte da sociedade pirajuense não quer a nova usina. Este sentimento está expresso no vasto cabedal de leis e posturas que impedem novas usinas e também em todo histórico das hidrelétricas existentes na região, as quais pouco acrescentaram de impactos positivos para o desenvolvimento da economia local, de forma sustentável. A decisão mais prudente, equilibrada e de bom senso é esperar, conforme lei em vigor no município, o interregno de 20 anos para avaliar com mais rigor e profundidade os impactos de uma usina na comunidade.

Há, portanto, tempo para que as escolas da cidade incentivem estudos e trabalhos de conclusão de cursos que esmiúcem os impactos positivos e negativos das usinas no município e seu entorno. O poder público tem também que ter técnicos competentes para acompanhar e avaliar o que essas empresas de energia proporcionam aos seus munícipes. Deve contratar os serviços de especialistas, mestres e doutores no assunto a fim de desenvolver estudos de alto nível, dissertações e teses que possam elucidar o que é o negócio energético para o local e quais os caminhos para o desenvolvimento sustentável do município.

Baseado em informações, dados e estudos e tendo como parâmetro a Resolução CONAMA 001/86 de 23/01/1986, sem entrar no mérito de atribuir pesos distintos em função da abrangência, frequência, temporalidade, magnitude ou reversibilidade dos impactos ou da importância de uma área em detrimento de outra, esboçou-se um quadro resumo analítico dos impactos de forma simplificada e condensada para efeitos de melhor compreensão. A seguir, então, os principais impactos da PCH proposta em Piraju, separados por área.

ÁREA AMBIENTAL e ÁREA ECONÔMICA

ÁREA SOCIAL, ÁREA CULTURAL e RESUMO DOS IMPACTOS DA PCH PIRAJU II

Vê-se pelo resumo do estudo que há enorme predominância de impactos negativos (69,3%) ante os positivos (30,7%), com destaque para os itens ambientais (46% do total de impactos). A única área que traz mais benefícios positivos que negativos é a econômica, a qual perde importância no computo geral, em razão dos demais malefícios ambientais, sociais e culturais.

Conclui-se, portanto, por todo esse estudo não ser recomendável construir-se uma nova usina hidrelétrica no município, nos moldes do que está sendo proposto.

Curvar-se ao poder econômico para implantar uma obra à custa do patrimônio ecológico e cultural, maior riqueza do município, significa privilegiar uma visão estreita, de curto prazo, que vai contra as posturas de desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável.

4.6 É tempo de atravessar o Rubicão
Mas e como resolver o crônico problema pirajuense de estagnação de sua economia? Para onde deve caminhar a cidade e qual sua vocação?

A travessia de um pequeno riacho no norte da Itália em 49 a.C. se tornou um dos acontecimentos mais marcantes e decisivos da história da humanidade. Por decisão do Senado e de seu inimigo político Pompeu, o imperador Caio Júlio César fora destituído do cargo de governador das Gálias e recebeu ordens para depor armas. Júlio César, ora isolado do poder, estava hospedado na cidade de Ravena, na região da atual Emília Romana, nordeste da Itália e decidiu não se resignar. Invadiu a Península Itálica, conquistou Roma e mudou o mundo.

Para por em prática essa ação de coragem ímpar, tomou a decisão crucial de atravessar o rio Rubicão, em direção a Roma e assim tomar o poder de Pompeu. Com as palavras alea jacta est (a sorte está lançada) cruzou o rio, ação terminantemente proibida pelas autoridades por questões de segurança, e foi em busca de novos tempos para seu povo. O Império Romano e o início da cultura europeia moderna emergiram a partir dessa travessia.

Cruzar o Rubicão significa, portanto, abandonar para sempre o isolacionismo, tomar uma decisão corajosa e arriscada, de maneira irrevogável, sem volta, focado em um sonho de conquista. Nas caminhadas por terras aparentemente firmes, às vezes águas turbulentas surgem no horizonte e nesse instante não se pode ficar à margem. Há que cruzá-las com coragem para construir um novo tempo e para tanto, é preciso parar, refletir, fazer um balanço, pensar grande. Afinal há momentos que é hora de romper com o passado, atravessar o Rubicão e construir um sonho.

Piraju está nesse momento único de transpor definitivamente o Rubicão, a hora da verdade, da decisão: continuar acomodado com o atraso crônico cômodo aos conservadores ou buscar novos tempos. O município paulista já foi vanguarda nacional, passou por experiências de crescimento, depois estagnou-se no deserto das incertezas e resignação. Prostrou-se e aquiesceu com modelos anacrônicos de desenvolvimento econômico. Entrou em longo processo de decadência, viu seus vizinhos crescerem e tem agora a chance de enfrentar sua hora da verdade. Deve separar-se do modelo antigo desgastado pela estagnação e moldar-se por novas realidades.

A travessia do Rubicão de Piraju significa, pois, desligar-se de posturas da síndrome de Peter Pan, e partir para a busca de novos caminhos de transformação. Do lado de lá do Rubicão, novas teorias de gestão esperam a sua vez. O anseio de modernidade e de construção de uma verdadeira sociedade cidadã significa exatamente desvincular-se de modelos paternalistas de administração ainda reinantes em muitas partes do Brasil.

Mas como atravessar o Rubicão? A prosperidade de uma coletividade depende fundamentalmente de definir e implantar políticas claras que determinem a vocação principal do local e para onde vai a cidade. O norte do município está expresso em seu Plano Diretor, discutido e aprovado pela comunidade em 2004 e de tempos em tempos adequado. Quanto à sua vocação parece estar evidente ser o desenvolvimento do turismo sustentável e o cargo mais cobiçado deveria ser o de diretor de turismo.

Piraju encontra-se distante do maior centro econômico-financeiro do Brasil, a cidade de São Paulo, apesar de bem servido de estradas, o que de certa forma dificulta a vinda contínua de turistas. Deve em um primeiro momento, então, tentar ações de captação de turistas em regiões mais próximas, em um raio de até 200 quilômetros, para alavancar o turismo local de forma perene.

No entorno dos municípios da Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema (AMVAPA), União dos Municípios da Média Sorocabana (MMES), e Consórcio de Desenvolvimento das Regiões Sul e Sudoeste do Estado de São Paulo (CONDERSUL), estão 42 municípios com mais de 1 milhão de pessoas. Indo mais longe, investir em atração de turistas de municípios como Londrina e seu entorno no Paraná, ou mesmo Bauru e seu entorno – cidades de grande porte e com massa crítica que possam alavancar e dar sustentação a projetos turísticos bem feitos na área ecológica, de pesca e náutica.

Mas antes de tudo a cidade tem que fazer sua lição de casa. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município, que mede sua qualidade de vida, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000 é de 0,791. O índice é pior que de seus vizinhos Ipaussu, Santa Cruz e Ourinhos e coloca Piraju apenas na 233ª. posição entre as 645 cidades do estado de São Paulo, muito pouco para uma estância.

De outra forma, a cidade possui um bom arcabouço jurídico para seu desenvolvimento, como o Plano Diretor e as posturas de proteção de suas inúmeras riquezas naturais, que impedem ocupações desordenadas, eventos comuns em diversas cidades litorâneas do Brasil, que cresceram de forma desordenada e sob o olhar leniente do poder público.

Prioritariamente o poder público, o detentor da chave do cofre, tem que melhorar a infraestrutura local de vias públicas, transportes, saúde, educação, coleta e armazenamento de lixo, saneamento básico, paisagismo. Na área turística, deve sinalizar claramente o que quer, e ser o grande articulador e fomentador de seu plano municipal de turismo. Desenvolver essa atividade num caminho claro e sustentável, que atraia investidores, com a divulgação profissional das belezas e estrutura locais.

Empreendedores certamente vislumbrarão regras claras, vontade política e as oportunidades. Dessa forma, os investimentos certamente irão ocorrer em hotéis na cidade e no campo, pousadas, restaurantes, complexos de ecoturismo como passeios, guias, roteiros. Exploração de serviços de “pesque e pague, passeios de barco, encontros náuticos, trilhas por entre as matas e por sobre o rio, oficinas de mergulhos, caminhadas para jovens e terceira idade.

Um dos caminhos pode ser a concessão de benefícios fiscais para interessados em construir hotéis com complexo de águas de primeira classe, nos moldes do existente ao lado da represa de Barra Bonita. Esse complexo pode se localizar no Parque Fecapi, pelo seu belo visual, ou mesmo à montante na margem do rio próxima ao Iate Clube Piraju, ambos locais com belo visual e área disponível. Pode-se perfurar poços artesianos a mil metros de profundidade, retirar água com temperaturas elevadas e construir diversas termas no complexo de águas.

Cita-se muito o exemplo de sucesso do turismo de aventura de Brotas, cidade também do interior paulista. Há outros muitos exemplos de municípios brasileiros que desenvolvem bem o turismo local. Por que então não estudar em detalhes o que fazem e aplicar o que deu certo em Piraju? Que tal uma faculdade de turismo sustentável e/ou educação e gestão ambiental?

O que não se pode mais é protelar o desenvolvimento local sob desculpas de omissão do poder público ou de falta de empreendimentos e empreendedores. O mais importante é a dádiva divina das belezas naturais, concedidas à exaustão para Piraju. Cabe então usufruir de forma sustentável dessa beleza ímpar e ter vontade política para atravessar o Rubicão.

Outro viés de desenvolvimento seria investir na indústria de água mineral, um produto que será cada vez mais escasso e caro, com implantação de poços artesianos para envasamento e comercialização sustentável. As fontes das águas de Piraju devem instituir um selo de qualidade e procedência que será reconhecido nacionalmente e irá acrescentar valor ao produto.

Na área ambiental, implantar áreas de Estações Ecológicas, Reservas Biológicas, Parques Estaduais, Reservas de Desenvolvimento Sustentável, Reservas Extrativistas e Unidades de Conservação. Ao implantarem-se essas áreas naturais, além de incentivar o desenvolvimento do ecoturismo, o município se beneficiaria com repasses do ICMS ecológico e de compensações financeiras de empresas poluidoras.

Nas dependências das usinas construir centros de referência em conhecimento para desenvolver estudos científicos por meio de viveiros de flora e fauna locais, com ênfase na silvicultura e na aquicultura. Promover nesses centros seminários e palestras de conscientização e educação ambiental; cursos avançados de capacitação de mão de obra especializada em energia elétrica e em gestão ambiental.

A Duke Energy já desenvolve ideias similares em Salto Grande, porque não em Piraju? A Estação de Hidrobiologia e Aquicultura da Duke Energy na usina Salto Grande, com 22 mil metros quadrados de área, possui laboratórios para análises da água e reprodução de peixes, tanques de larvicultura e 53 tanques de alevinagem e estocagem de peixes reprodutores. O programa de Manejo Pesqueiro da Duke Energy tem como principal foco de atuação manter o equilíbrio do ecossistema e preservar a biodiversidade e a riqueza da fauna aquática do rio Paranapanema. Iniciado em 2001, anualmente promove a soltura de 1,5 milhão de peixes na bacia. O programa serve como referência para outras ações do gênero em todo o Brasil. Como consequência muito positiva desse trabalho, são criadas condições para o desenvolvimento das comunidades regionais através da pesca profissional e esportiva, conscientizando seus habitantes quanto ao controle da poluição do rio e respeito à piracema.

Diz um provérbio africano que águas sujas não podem ser lavadas, há então que protegê-las. Na área de proteção patrimonial, deve-se lutar pelo tombamento do trecho de calha natural a nível estadual, federal e até buscar transformar esse santuário internacional em patrimônio da humanidade e assim obter recursos para investir em infraestrutura para turistas. Isso evitaria de forma definitiva o aproveitamento energético desse trecho do rio, sempre um risco e normalmente sem contrapartidas ao município, a não ser as compensações legais.

4.7 Considerações Finais
A sustentabilidade ambiental clama pela construção de novas regras, que estão lentamente tomando corpo por todo o mundo. Com a crescente conscientização ambiental, a sociedade organizada, de olho no passado, deve evitar seus erros e tomar as lições positivas como alicerces de convívio futuro, em busca da construção de uma sociedade sustentável. O que outrora era um paradigma inquestionável, como a ocupação da Amazônia na década de 1970, hoje aproxima-se de um paradoxo qualquer intervenção que destrua qualquer parte desse bioma.

Ser favorecido por recursos naturais que se transformam em fontes de produção de energia é estratégico para qualquer sociedade. Entre outros fatores, porque reduz a dependência de suprimento externo e permite segurança no abastecimento energético, vital ao desenvolvimento econômico e social.

Os questionamentos levantados nesse estudo não pretendem condenar a opção hidrelétrica como alternativa de geração de energia, mas sim explicitar todos os impactos que uma obra causa e deixar isso claro para a sociedade, para que esta possa, de forma soberana e democrática, decidir em quais fontes de energia irá apoiar sua prosperidade sustentável. O problema crucial é que a transição de um regime energético para outro leva décadas, séculos e uma fonte não substitui outra de imediato, há sempre interposições.

A sociedade brasileira precisa ser informada sobre a dimensão dos impactos que as diversas fontes de geração de energia elétrica causam para buscar consenso e avançar nas soluções de como obter a expansão de seu parque gerador elétrico. Dado o estágio de desenvolvimento econômico e social do Brasil e as promissoras perspectivas futuras, haverá um forte aumento no consumo de energia ao longo das próximas décadas. Faltar energia como ocorreu no apagão de 2001 seria um cenário inadmissível e catastrófico para o país. Novas unidades produtoras de energia têm que ser construídas por todo o país e trarão em seu bojo diversos impactos, principalmente ambientais.

Aí emerge o papel do Estado como indutor do desenvolvimento, ao criar ambiente favorável a investimentos privados e implantar programas de geração de empregos e renda. Na área energética, utilizar recursos do BNDES para financiar projetos de viabilização em escala de energia eólica, solar e das marés.

Para incentivar a utilização de fontes alternativas de energia, foi criado em 26 de abril de 2002, pela Lei no. 10.438, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). O Proinfa considera projetos de geração de energia a partir dos ventos (energia eólica), pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e bagaço de cana, casca de arroz, cavaco de madeira e biogás de aterro sanitário (biomassa). Esse programa ainda não se consolidou em função de dificuldades para obtenção de financiamento, qualidade insuficiente dos projetos propostos e problemas de disponibilidade das terras para a implantação dos empreendimentos.

Todos sabem que o esgotamento dos recursos naturais e as mudanças climáticas irão afetar drasticamente suas vidas caso não se corrija os rumos do crescimento desenfreado da economia mundial. Empresas, cidadãos, poder público provocam impactos ao meio ambiente e à sociedade. Deve-se identificar esses impactos e minimizá-los. Gestão de energia, de água, enfim de todos os recursos naturais significa redução de custos e de impactos ao meio ambiente e à sociedade.

Além da complexidade do problema ambiental, para se atingir consenso, deve-se solucionar outro impasse entre as posições antagônicas de ambientalistas extremos e céticos. Os extremados, ou ecoxiitas, parecem preconizar a volta às cavernas, e qualquer agressão ao meio ambiente, mesmo que pequena, deve ser evitada. Não possuem senso de realidade – a ideologia ecorradical está acima do bem e do mal – e não admitem, por exemplo, que a luta pelo extermínio da pobreza demande energia e que sua geração possa atingir alguns grupos sociais e degradar o ambiente. Já os céticos, ou ecocéticos, tentam viabilizar empreendimentos de forma indiscriminada e, com